Notas Restaurantes

A simplicidade algo complexa do “italiano” Provincia

Se há coisa que dá gosto de ver em Lisboa e noutras localidades portuguesas é o modo como a restauração média subiu enormemente de nível quando comparada com a de há uns anos. Julgo que para tal contribuiu certamente a melhoria dos cozinheiros, muitos dos quais saem das escolas e vão logo fazer estágios em alguns dos melhores restaurantes nacionais e, por vezes, internacionais, mas também a “melhoria” dos clientes, seja dos portugueses, agora mais abertos e curiosos, seja dos muitos estrangeiros, turistas e residentes, interessados em frequentar restaurantes com cozinhas com personalidade e com bom ambiente. Ora mesmo sendo essa a minha opinião, ainda não deixo de me espantar quando vou jantar num dia de Inverno, a meio da semana, a um restaurante nas Avenidas Novas, zona de Lisboa a que não associo grande vida nocturna, e o encontro com as mesas cheias e bem animadas.

Bagna cauda de coração de alface e endívia roxa

Tal aconteceu quando fui convidado a ir conhecer a nova carta do Provincia, agora da autoria de Francesco Ogliari, um chefe italiano radicado em Évora, onde tem o restaurante Tua Madre, tendo já estado à frente do Santa Clara dos Cogumelos, em Lisboa. Fomos orientados pelo chefe executivo Mário Cardeira, há vários anos no grupo português Non Basta (além do Provincia, têm o Memória, os Pasta Non Basta e o Margarida), que nos sugeriu os pratos, que consegui dividir com quem me acompanhava, começando por coração de alface grelhado, bagna cauda e citrinos (12,5€) e lírio curado com citrinos em caldo fumado de peixe e vegetais (16€). O primeiro, além de alface, vinha com endívia roxa, e as duas estavam muito bem grelhadas, sem sabor a queimado ou excesso de fumo, integrando-se perfeitamente com a bagna cauda, molho italiano à base de alho e anchovas. Já não gostei tanto do lírio, que tinha boa cura, mas que era prejudicado por citrinos demasiado doces, que o ocultavam quase por completo. Além disso, vinha com uma alga qualquer que, dito por alguém que não embirra tanto com as ditas quanto eu, era “horrorosa”, com a única vantagem de poder ser afastada facilmente.

A esplêndida lula grelhada com tagliolini caseiro de spirulina

O prato seguinte iria, no entanto, encher-me as medidas. Lula grelhada, tagliolini com manteiga de spirulina (15,5€), com a massa caseira saborosíssima (apesar das micro-algas, felizmente sem sabores iodados…), suave e bem cozida. Mais uma vez grelha  perfeita, desta vez na lula, um toque de limão exacto, um daqueles pratos, típicos de Itália, onde não sabemos onde começa a simplicidade e onde acaba a complexidade, só sabemos que sabe muito bem. As boas impressões continuaram no prato de carne, porchetta com polenta de berbigão (na foto de abertura), com a pele estaladiça após horas de assadura, sobressaindo a qualidade da polenta e o contraste dos bivalves (16,5€). Para terminar, tarte brulée de parmigiano com uvas maceradas (6€), leve, boa massa, sem excessos de açúcar.

Quer pela qualidade da cozinha quer pelo ambiente quer ainda pelos bons preços e horários de abertura, parece-me que este Provincia é altamente recomendável, mostrando que se pode fazer pratos diferentes albergados pelo chapéu de chuva da “cozinha italiana”, sem exageros de criatividade, com os pés na terra, mas também sem acomodação, fugindo aos aborrecidos lugares-comuns que tantas vezes vigoram, em Portugal e em muitos outros países, neste tipo de restaurantes.

Provincia

Av. da República, 48B, Lisboa

Aberto todos os dias das 12h às 23h30. Sexta e sábado até às 00h30

Tel. 210 999 604

Fotografias: Cristina Gomes, excepto a do restaurante

Nasceu em Lisboa em 1963. Licenciou-se em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa e trabalhou em diversos jornais (Semanário, Diário Popular e Diário de Lisboa) e, depois, na área de comunicação empresarial. Em 1997, começou a colaborar com a revista “Fortuna” na área de gastronomia e vinhos. Em 1999, criou a página “Boa Vida” para o “Diário de Notícias”, que coordenou até Janeiro de 2009, com algumas interrupções. Entre 2007 e 2019, foi coordenador do Projecto Gastronomia da Associação de Turismo de Lisboa e, nesse âmbito, director do festival gastronómico Peixe em Lisboa, continuando a escrever artigos sobre gastronomia e restaurantes em várias publicações.

2 comments on “A simplicidade algo complexa do “italiano” Provincia

  1. Augusto Gemelli

    Caro Duarte, como sempre gostei da tua descrição detalhada de mais um restaurante e desta vez de ter escolhido un “italiano” atipico e claramente mais criativo. Só tenho que comentar um pormenor do teu texto, a receita tradicional da bagna caoda nao leva natas. Obrigado Chef AG

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  2. Obrigado, Augusto. Devo ter pesquisado nos sites errados e pareceu-me que no prato do Provincia levava natas, mas devo estar enganado, Vou corrigir. Já agora, como descreverias a bana cauda, para evitar novos enganos?

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