Critica Gastronómica Restaurantes

Uma Cozinha lisboeta onde a criatividade se serve com descontracção

A Cozinha, em Lisboa, parece ser um bom exemplo de como os restaurantes médios melhoraram na cidade e mesmo no país. São restaurantes que levam em conta, inclusive em termos de decoração, a atracção que os restaurantes mais populares ou tascas exercem sobre os clientes, mas não prescindem de uma dose de criatividade, muitas vezes variações sobre pratos bem conhecidos, como podem ser, nesta casa lisboeta, o pica-pau, a salada César, o polvo ou o leitão assado. Tudo numa perspectiva de partilha descontraída, a bons preços, de convite ao convívio, de disponibilidade permanente, também bem exemplificada por uma cozinha que fica aberta sem interrupções do meio-dia às 23h, todos os dias. E o êxito parece acompanhar este tipo de propostas, já que A Cozinha, aberta em 2017, acaba de duplicar a sua lotação para um total de 50 lugares, tomando conta – após vários meses fechado para obras – do andar de cima do piso térreo do nº 134 da Rua de São José, uma pacata e castiça via paralela à movimentada Av. da Liberdade.

O chefe Pedro de Sousa está à frente do restaurante desde a abertura

Não conhecia o espaço original e fui agora convidado para ir lá ver como ele tinha ficado nesta versão ampliada, que se mantém fiel à proposta culinária de sempre, liderada desde o início pelo chefe Pedro de Sousa, de 29 anos, em sociedade com o empresário de restauração Francisco Breyner no grupo Sr. Lisboa, ambos também responsáveis pelo O Jardim, na Rua de São Bento, onde a proposta é diferente, mais direcionada para o mundo vegetal. Para breve, o Sr. Lisboa anuncia novo espaço, de nome A Despensa. Natural de Oliveira do Hospital, Pedro de Sousa começou por de dedicar à pastelaria em Coimbra, fez estágios no Museu do Pão e no Tivoli Coimbra, veio para Lisboa, estudou na Escola de Hotelaria do Estoril, passou pelo Tivoli Lagos e outros locais, com destaque para a Casa do Marquês, onde foi Chefe de Eventos.

O polvo do Algarve com batata assada também é bom para partilhar

A minha estreia no A Cozinha foi óptima. Começou com um couvert diferente (7,5€), com pão da Padaria do Beco de fermentação natural, com manteiga de alho negro e miso, espuma de queijo Serra da Estrela e, destacando-se, um leve e saboroso molho Bulhão Pato. Continuou com pratos explicitamente para partilhar (éramos três à mesa), como um pani puri, molho holandês fumado de camarão, uma magnífica gamba da costa apenas ligeiramente curada e pérolas de algas (14€), apenas um pouco grande demais para comer à mão de uma só vez (na fotografia de abertura). Depois, alface cogolho no carvão, tártaro de novilho, molho de ostras, alcaparras, sour cream fumado, alho negro e cogumelos (16€). Gostei dos sabores, mas pareceu-me que o cogolho é demasiado volumoso, “esmagando”, de alguma forma, o tártaro. Outro prato foi de novo dominado pela excelência da gamba da costa curada, também repetido pelo cogolho de alface, com queijo creme, pó de cabeças de camarão e ar de queijo parmesão e crocante de pão (16€), variante da salada César com muito equilíbrio e que muito me agradou.

Pica-Pau e umas excelentes e originais batatas fritas

Ainda para partilha a três, veio um polvo do Algarve no carvão, molho romesco, batata assada, óleo de salsa e molho chimichurri (17€), um belo prato que ganharia, para meu gosto, se o polvo não estivesse tão tenro, oferecendo mais resistência aos dentes. No entanto, admito que haja quem o prefira assim. A seguir, pratos que também me parecem bons de partilhar, mas que no A Cozinha são apresentados como de “Memória” e mais individualizados. Um pica-pau com molho de mostarda tradicional e pickles de temporada ((16€) – aqui sunomono de pepino -, sem nada que o distinguisse e com a carne demasiado passada, foi do que gostei menos. Já as batatas fitas ponte nova, com emulsão de manteiga castanha e parmesão (8€), em “palitos fofos”, trocando a demasiado vista “crocância” pela maciez e sabor do tubérculo, estavam magníficas e extremamente coerentes com a oferta típica da casa. Muitíssimo bom estava também o “Leitão com Calma” (23€), uma barriga de leitão confitada ao longo de 12 horas a 60ºC, com alho, louro e pimenta, acompanhado por pak choi no carvão. Prato excelente para terminar, o qual, por si só, juntamente com as batatas fritas, valeria a visita. Confesso que já não me lembro de quais foram as sobremesas, mas não devem ter sido nenhuma desilusão, porque saí de A Cozinha muito bem impressionado e com vontade de voltar.

A Cozinha

Morada: Rua de São José, 134, Lisboa

Horário: aberto todos os dias, das 12h00 às 00h00 (a cozinha fecha às 23h00)

Reservas:Tel.213 423 512, e-mail acozinhareservas@gmail.com

Site: https://www.srlisboa.pt/a-cozinha#jardim

Fotografias: Hayley Kelsing

Nasceu em Lisboa em 1963. Licenciou-se em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa e trabalhou em diversos jornais (Semanário, Diário Popular e Diário de Lisboa) e, depois, na área de comunicação empresarial. Em 1997, começou a colaborar com a revista “Fortuna” na área de gastronomia e vinhos. Em 1999, criou a página “Boa Vida” para o “Diário de Notícias”, que coordenou até Janeiro de 2009, com algumas interrupções. Entre 2007 e 2019, foi coordenador do Projecto Gastronomia da Associação de Turismo de Lisboa e, nesse âmbito, director do festival gastronómico Peixe em Lisboa, continuando a escrever artigos sobre gastronomia e restaurantes em várias publicações.

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