Restaurantes

Será que o problema do “no-show” está resolvido?

Tudo indica que sim e consequentemente acabou o movimento Reserva e Aparece, lançado há cerca de três meses com grande impacto mediático. É isso que se pode depreender das declarações ao Mesa Marcada de André Lança Cordeiro, uma das vozes mais activas deste movimento que juntou vários chefes portugueses para alertar a opinião pública para os prejuízos que causavam aos restaurantes as pessoas que marcavam mesa e depois não só não apareciam como nem sequer se davam ao trabalho de ligar a avisar. Uma atitude que é conhecida pelo termo em inglês “no-show” e que se estava a tornar cada vez mais frequente, abalando sobretudo as finanças dos restaurantes com poucos lugares, nos quais, por exemplo, uma mesa de quatro pessoas que fica vazia ao jantar pode representar menos 20% de facturação.

Mas afinal como é que André Lança Cordeiro resolveu o problema do seu restaurante Essencial, com apenas 24 lugares ao jantar, situado em pleno Bairro Alto lisboeta? “Passei a aceitar só reservas online, com cartão de crédito, explicitando as condições: quem não cancelar 12 horas antes da marcação paga 40 euros por pessoa”. Parece que foi remédio santo, porque nos últimos três meses só houve uns três ou quatro casos de no-show, todos devidamente cobrados no cartão de crédito dos faltosos. “Realmente resultou e creio que o mesmo aconteceu com outros restaurantes que participaram no movimento, porque o grupo WhatsApp que então formámos entre os chefes está praticamente inactivo, o que mostra que o problema terá pelo menos perdido importância”.

André Lança Cordeiro: só três ou quatro pessoas reservaram e não apareceram

No Porto, outro dos chefes que fez parte do Reserva e Aparece, Vasco Coelho Santos, não está tão optimista, embora reconheça que no seu principal restaurante, o Euskalduna Studio (20 lugares, 12 dos quais ao balcão, na foto de abertura) “o no-show quase nunca acontece”, aceitando apenas reservas online com cartão de crédito – a não ser que sejam de pessoas que já integram a base de dados da casa -, com a penalização para quem não cancela a marcação para jantar até às 16h do próprio dia a ficar nos 115 euros que custa o menu. “Nestes meses, que me lembre, só tivemos que cobrar a um casal de turistas estrangeiros que marcou, não apareceu nem disse nada. Pagaram sem problemas nem reclamações”, afirma o chefe portuense.

Já no seu restaurante mais informal, o Semea, também no Porto, de 40 lugares, o problema diminuiu, mas está longe de desaparecer, representando ainda, segundo calcula Vasco Coelho Santos, cerca de 15% das reservas. “Continuámos a viver tempos difíceis por causa do Covid e dos testes que eram exigidos e, por isso, tenho sido menos exigente no Semea com esta questão, mas de facto acho no futuro devo adoptar um procedimento semelhante ao do Euskalduna, que, aliás, é o comum em vários países”.

Vasco Coelho Santos: sem problemas no Euskalduna, mas ainda com 15% de faltosos no Semea

Voltamos a Lisboa, desta vez para ouvir Miguel Peres, outro dos envolvidos no Reserva e Aparece, cujo restaurante Pigmeu, em Campo de Ourique, de 28 lugares, estava a ser gravemente afectado no ano passado com o no-show e que agora já ultrapassou o problema, registando apenas três casos nos últimos três meses. Mais uma vez, o sistema de reservas online com cartão de crédito, cobrando-se 20 euros por pessoa que não aparece e não cancela até quatro horas antes da marcação, parece ter resultado. Mas Miguel Peres também atribui importância ao facto de a opinião pública ter sido alertada para a gravidade da questão: “Houve logo muitas pessoas que não só aceitaram facilmente os procedimentos que tivemos que adoptar, como os compreenderam e mostraram solidariedade connosco e com os problemas que o no-show nos causava”.

Por último, não obstante não ter estado directamente envolvido no Reserva e Aparece, Alexandre Silva foi, entre os chefes portugueses mais conhecidos, um dos que mais protestou contra o no-show, que prejudicava especialmente o seu restaurante mais informal, o Fogo, nas Avenidas Novas lisboetas, com 62 lugares, e menos o Loco (uma estrela Michelin), de 24 lugares, onde os casos são raros. “No Fogo, pedimos reserva com cartão de crédito, mas apenas para mesas com cinco ou mais lugares e cobramos 10 euros por pessoa que não aparece”, explica Alexandre Silva. Dessa maneira, evitam grande parte dos prejuízos que podem ocorrer com mesas grandes, já que o restaurante vive também de muitas pessoas que passam à porta e que facilmente ocupam as mesas com menos lugares.

Miguel Peres: boa aceitação por parte dos clientes dos novos procedimentos de reserva

De realçar que estes procedimentos de só aceitar reservas online com cartão de crédito, cobrando a quem não cancela em determinado prazo, compreendem muitas excepções nos restaurantes cujos responsáveis foram ouvidos para este artigo. “Cada caso é um caso” foi a frase que melhor resumiu a sensibilidade e flexibilidade com que tem que se lidar com quem quer reservar mesa. Para eles, o telefone continua a ser um meio válido para marcar mesa quando se é cliente habitual –ou, em certos casos, de pessoas mais velhas e menos familiarizadas com o sistema online – e os cancelamentos de última hora são aceites quando as razões para tal parecem credíveis e, sobretudo, são comunicadas ao restaurante. Ou ainda quando os lugares que iriam ficar vazios conseguem ser ocupados por pessoas em lista de espera ou que aparecem depois. No Pigmeu, por exemplo, em dois dos três casos registados, nada foi cobrado aos faltosos porque as mesas acabaram por ser ocupadas por outros clientes.

Concluindo, a julgar pelo que dizem estes chefes, o movimento Reserva e Aparece cumpriu o seu objectivo de alertar e sensibilizar quem gosta de ir a restaurantes a proceder de forma correcta. Terá sido fundamental para este êxito o facto de os chefes terem agido em conjunto, mostrando que se tratava de uma questão que afectava muitos restaurantes e não apenas alguns casos particulares. E teve até um lado “educativo”, como mostra este curioso caso contado por André Lança Cordeiro: “Tivemos uma reserva de um casal de jovens turistas japoneses que não apareceram à hora marcada nem disseram nada. Fizemos a cobrança no cartão de crédito e eles foram avisados disso por e-mail. Telefonaram a reclamar, mas nós dissemos que eles sabiam quais eram as condições. Foram então ao restaurante e exigiram que nós lhe déssemos comida no valor dos 80 euros cobrados. Eu disse que tudo bem, se queriam em takeaway ou se preferiam jantar ali. Quiseram sentar-se, jantaram normalmente e não houve mais discussões. Ou seja, afinal não tinham nenhuma razão válida para não terem respeitado a reserva, era só porque não lhes apeteceu na altura, bastaria ter telefonado a desmarcar a tempo e horas. Pode ser que assim tenham percebido os problemas que causam aos restaurantes e não voltem a agir desta forma”.

Fotografias de André Lança Cordeiro e Vasco Coelho Santos – Cristina Gomes; de Euskalduna Studio e de Miguel Peres – divulgação

Nasceu em Lisboa em 1963. Licenciou-se em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa e trabalhou em diversos jornais (Semanário, Diário Popular e Diário de Lisboa) e, depois, na área de comunicação empresarial. Em 1997, começou a colaborar com a revista “Fortuna” na área de gastronomia e vinhos. Em 1999, criou a página “Boa Vida” para o “Diário de Notícias”, que coordenou até Janeiro de 2009, com algumas interrupções. Entre 2007 e 2019, foi coordenador do Projecto Gastronomia da Associação de Turismo de Lisboa e, nesse âmbito, director do festival gastronómico Peixe em Lisboa, continuando a escrever artigos sobre gastronomia e restaurantes em várias publicações.

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