A notícia parece tirada a papel químico da do ano passado, dado serem novamente cinco o número de restaurantes que ganham pela primeira vez uma estrela Michelin, no nosso país. Só mudam os nomes que são agora: o Encanto, de José Avillez (Lisboa), Euskalduna Studio, de Vasco Coelho Santos (Porto), o Kabuki Lisboa, de Paulo Alves, (Lisboa), o Kanazawa, de Paulo Morais (Lisboa) e o Le Monument, de Julien Montbabut, (Porto).
Os resultados foram revelados há instantes na Gala do Guia Michelin Espanha e Portugal 2023, que decorreu em Toledo, no país vizinho e que trouxe ainda uma outra novidade para terras lusas: Portugal e Espanha passam a ter galas separadas a partir da próxima edição. Segundo Gwendal Poullennec, director internacional dos guias, a Michelin já está a trabalhar com o Turismo de Portugal na organização do evento, cuja data e local serão revelados durante o primeiro trimestre de 2023.
Uma gala em Portugal e mais conteúdos locais

Este era um tema que circulava no meio já há algum tempo e que parece juntar a fome e a vontade de comer (assim haja verba). Por um lado, para o Guia Michelin, cujo negócio passa cada vez mais pela realização de eventos como este (pagos pelas autoridades locais e pelos patrocinadores) e que tem aqui mais uma potencial fonte de rendimento. Por outro lado, também se espera que Portugal beneficie, com o evento, uma vez que é suposto que contribua para a promoção do país como destino gastronómico. A realização da gala traz ainda uma outra vantagem, reconhecida pelo guia: “a necessidade de implementação de conteúdos editoriais e de comunicação, que serão partilhados nas nossas plataformas”.
Há ainda um outro aspecto, com uma componente psicológica, que não é de desprezar: a sensação de derrota na comparação directa dos resultados com Espanha deixa de existir (ou, pelo menos, deixe de ser tão evidente, vá lá).
A análise aos resultados
Voltando à primeira parte da notícia, para uma análise dos resultados. Tal como referi no ano passado, podemos sempre analisar a atribuição de estrelas desta edição de duas perspectivas. Se quisermos olhar para a garrafa meio cheia, é legítimo dizer que não foi uma má colheita. Há dez anos era impensável um resultado assim. Contudo, desta vez não consigo deixar olhar para a garrafa e vê-la meio vazia: o resultado sabe a poucochinho. Falava-se que finalmente haveria um 3 estrelas e tive a ilusão que poderia ser agora. O mesmo diria em relação a mais um ou dois novos duas estrelas.
A inevitável comparação Portugal vs Espanha
Esta sensação é tanto maior, quando vemos a enorme chuva de estrelas do país vizinho e por mais que não queiramos, ao serem anunciadas em conjunto, a comparação é inevitável, mesmo tendo em conta a proporção populacional de Portugal vs Espanha (10 milhões vs 47 milhões habitantes).
Se não vejamos. A nível de 3 e 2 estrelas a diferença é arrasadora. Espanha ganha 2 novos 3 estrelas: Atrio (Cáceres) e o Cocina Hermanos Torres (Barcelona); e 3 novos 2 estrelas: Deesa – Quique Dacosta (Madrid), Pepe Vieira (Serpe, Galiza) e El Rincón de Juan Carlos (Tenerife / Adeje, Canarias). E Portugal? Zero. Valha-nos que a nível de 1 estrela os 5 novos restaurantes com o galardão em Portugal correspondem de forma relativamente proporcional aos novos 29 de Espanha.
Importa ainda dizer que não houve perdas de estrelas em Portugal, enquanto em Espanha 7 restaurantes viram as estrelas suprimidas (3 dos quais por encerramento).
Já nos Bib Gourmant (restaurantes até 35€ com boa relação preço/ qualidade) essa proporção até nos é ligeiramente favorável (7 Pt vs 31 Es), ainda que no total a discrepância seja enorme 38 vs 243.
O mesmo se passa nas estrelas verdes, em que o Mesa de Lemos foi o único a ganhar esse prémio para Portugal, que passa a ter 3 restaurantes “sustentáveis” no guia enquanto Espanha ganha 13 novos somando agora um total de 39.

A juntar a isto há ainda o facto dos prémios especiais terem ido novamente todos para Espanha: Chef Mentor: Joan Roca (Celler de Can Roca); Chef Jovem: Cristóbal Muñoz (Ambivium, em Peñafiel) e Chefe de Sala: Toni Gerez (Castell Peralada, em Peralada).
Surpresas e Confirmações
Entre os 5 novos restaurantes portugueses que conquistaram a estrela, três são em Lisboa e dois no Porto. Em termos de cozinha, dois são japoneses, um de vanguarda e outro de cozinha contemporânea francesa.

Deste conjunto, talvez apenas um, o Kanazawa tenha sido uma surpresa total, uma vez que o restaurante esteve sempre ausente do radar dos que são sempre falados nestas ocasiões, até porque quando Tomoaki Kanazawa criou este balcão de poucos lugares com todos os preceitos e produtos de topo, os inspectores ignoraram-no completamente. Pelos vistos, descobriram-no agora. E ainda bem, porque acaba por ser um reconhecimento muito especial a Paulo Morais, provavelmente o chef que mais fez pela cozinha nipónica no nosso país.

O Encanto, com a marca e a competência de José Avillez e da sua organização parecia ser candidato evidente, a partir do momento em que Avillez decidiu apostar num restaurante com um posicionamento de topo (ligeiramente abaixo do Belcanto) explorando um nicho do fine dining vegetariano que tem vindo a ganhar expressão a nível europeu e mundial. A menos que algum dos novos estrelados espanhóis seja igualmente vegetariano, o Encanto será o primeiro e único restaurante com 1 estrela na Península Ibérica e um dos poucos na Europa com esse estatuto.

Quanto ao Euskalduna de Vasco Coelho Santos (Porto), não há muito a dizer, a não ser…porra, finalmente! Ah, e deixar a pergunta: porque demoraram tanto tempo?

Quanto ao Kabuki Lisboa, cuja cozinha é liderada por Paulo Alves, não tenho dúvidas que reúne vários critérios para assegurar o galardão: é um projecto novo que parece sólido e que conseguiu reunir uma equipa de grande qualidade. E, claro, com uma proposta de menu de grande nível. Porém, para a atribuição precoce da estrela, certamente deve contribuído o facto de ser de um grupo espanhol conhecido do guia, com estrelas em mais do que um local do país vizinho – ainda que um dos restaurantes do grupo, em Madrid, tenha perdido agora essa distinção.

Quanto ao Le Monument, no Porto era um restaurante que já fazia parte do guia e por isso estava assinalado. Importa referir que Julien Montbabut já tinha alcançado antes essa comenda, em França, o que é sempre um bom cartão de visita.
Expectativas goradas
Como referi acima este era o ano em que se especulava mais a sério finalmente a vinda de um 3 estrelas e a questão é se era o Belcanto ou o Ocean (ou até havia quem apostasse no The Yeatman).
Dos candidatos a duas estrelas, sabia-se que a mudança de chef do Feitoria não era razão para perder a estrela, mas que também tirava qualquer possibilidade de ganhar uma segunda. Outro candidato dos últimos anos, o Fifty Seconds, era novamente apontado a alcançar esse feito, tal como este ano se falava do Vistas by Rui Silvestre, e do Vista de João Oliveira. Pelos vistos ficámos todos mas foi a ver navios.
Nos candidatos a uma estrela, a mais evidente ausência é a do Marlene, que, aos olhos do guia parece precisar de mais algum tempo para ganhar consistência. Arkhe, Ó Balcão, Kappo são três outros projectos que constam no Guia Michelin e que me parecem próximo da fasquia. Contudo, talvez precisem de mais meios para alcançarem maior solidez. Ou então, só necessitam mesmo é de seguir o seu caminho e esperar que um dia um inspector faça “match”, tipo o que aconteceu no Euskalduna.
Mas como dizia a Alexandra Prado Coelho, ontem, no Público, “prever que restaurantes vão receber estrelas (…) é, como todos os anos, um exercício de especulação, baseado em conversas de bastidores, numa mistura de adivinhação e desejos”.
Bib Gourmand e Estrelas Verdes

O Guia Michelin tem vindo a apostar não apenas numa maior dinâmica dos conteúdos digitais, mas também no reforço do guia para lá das estrelas e, nesse sentido, os Bib Gourmand fazem parte dessa estratégia. Porém, também aqui, Portugal leva um grande atraso em relação a Espanha e, a menos que haja inspectores locais ou estrangeiros a passarem mais tempo por cá, dificilmente chegaremos lá.
Outro problema é o facto de cidades como Lisboa estarem cada vez mais caras e alguns dos melhores projectos informais não caberem no preço de 35€ limite para ser Bib Gourmand. Ainda assim, a pouco e pouco, a situação tem melhorando, neste campo: o Porto que até ao ano passado não tinha nenhum lugar com esta distinção, ganha mais dois, o Gruta e o Semea by Euskalduna. Já em Lisboa, houve 3 novos: Carnal, Ofício e Zunzum Gastrobar; enquanto que À Mesa, em Tavira, e Rio by Paulo André, em Vila do Conde, fecham o grupo dos contemplados.

Quanto a Estrelas Verdes, que são outra das apostas, ainda não consegui perceber muito bem se é mesmo uma aposta verdadeira ou apenas uma jogada de Marketing e de critérios pouco transparentes. Na verdade, ainda não realizei se é falta de sensibilidade dos restaurantes portugueses ao tema, ou se é o guia que não faz grande esforço para ter mais candidatos. Só assim se compreende que este ano apenas o Mesa de Lemos conquiste este prémio, enquanto em Espanha houve 14 novos a consegui-lo.
Enfim, siga a Mariña e venha de lá a gala portuguesa no próximo ano.
Fica a lista dos restaurantes com estrela Michelin em Portugal, por ordem alfabética:
2 estrelas (7 restaurantes)
. Alma – Lisboa (chefe Henrique Sá Pessoa)
. Belcanto – Lisboa (chefe José Avillez)
. Casa de Chá da Boa Nova – Leça da Palmeira (chefe Rui Paula)
. Il Gallo d’Oro – Funchal (chefe Benoît Sinthon)
. Ocean – Porches (chefe Hans Neuner)
. The Yeatman – Vila Nova de Gaia (chefe Ricardo Costa)
. Vila Joya – Praia da Galé (chefe Dieter Koschina)
1 estrela (31 restaurantes)
. 100 Maneiras – Lisboa (chefes Ljubomir Stanisic e Manuel Maldonado)
. A Cozinha – Guimarães (chefe António Loureiro)
. Al Sud – Lagos (chefe Louis Anjos)
. A Ver Tavira – Tavira (chefe Luís Brito)
. Antiqvvm – Porto (chefe Vítor Matos)
. Bon Bon – Carvoeiro – (chefe José Lopes)
. CURA – Lisboa (chefe Pedro Pena Bastos)
. Esporão – Reguengos de Monsaraz (chefe Carlos de Albuquerque Teixeira)
. Eleven – Lisboa (chefe Joachim Koerper)
. Encanto – Lisboa (chefe José Avillez / Diogo Formiga) Novo
. Eneko – Lisboa (chefes Eneko Atxa / Lucas Bernardes)
. Epur – Lisboa (chefe Vincent Farges)
. Euskalduna Studio – Porto (chefe Vasco Coelho Santos Novo
. Feitoria – Lisboa (chefe André Cruz)
. Fifty Seconds – Lisboa (chefes Martín Berasategui e Filipe Carvalho)
. Fortaleza do Guincho – Cascais (chefe Gil Fernandes)
. G Pousada – Bragança (chefe Óscar Geadas)
. Gusto by Heinz Beck – Almancil (chefe Heinz Beck)
. Kabuki Lisboa – Lisboa (Chefe Paulo Alves) Novo
. Kanazawa – Lisboa (Chefe Paulo Morais) Novo
. LAB by Sergi Arola – Sintra (chefe Sergi Arola)
. Largo do Paço – Amarante (chefe Tiago Bonito)
. Le Monument – Porto (Chefe Julien Montbabut) Novo
. Loco – Lisboa (chefe Alexandre Silva)
. Mesa de Lemos – Silgueiros, Viseu (chefe Diogo Rocha)
. Midori – Sintra (chefe Pedro Almeida)
. Pedro Lemos – Porto (chefe Pedro Lemos)
. Vila Foz – Porto (chefe Arnaldo Azevedo).
. Vista – Portimão (chefe João Oliveira)
. Vistas – Vila Nova de Cacela (chefe Rui Silvestre)
. William – Funchal (chefe Luís Pestana)
Enquanto tivemos um governo que cobra tantos impostos e a ASAE sempre à porta, enquanto os donos dos estabelecimentos tiverem que pagar mais em impostos sobre os ordenados do que os próprios ordenados aos funcionários, e os bons acabando sempre por ter de emigrar pois trabalhar por 800 euros não vale o serviço que eles prestam (digo isto pois desde que tantos brasileiros tem chegado a Portugal os salários na hotelaria tem baixado significantemente. Porquê pagar 1000 euros a um português quanto um brasileiro vem e faz o mesmo trabalho por 700?). Maioria dos estabelecimentos hoje em dia sentem se com dificuldade em pagar contas e manter as portas abertas, não tem tempo para pensar em estrelas e prémios, o importante é o dinheiro no fim do dia. Em Espanha a realidade é outra, por isso não fico impressionado haver uma discrepância tão grande entre nós e eles.
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