Restaurantes

Plano para jantar desconfinadamente

Vitor Adão Restaurante Plano Lisboa

Depois de mais de três meses sem ir a restaurantes, na quinta-feira passada decidi aceitar o convite do chefe Vítor Adão para o jantar a quatro mãos que nessa noite daria com o chefe francês Gaetan Evrard, (do restaurante L’Évidence, no vale do Loire, uma estrela Michelin conquistada em 2019, à esquerda na fotografia), no Plano, em Lisboa. Além de simpatizar muito com a cozinha deste jovem chefe transmontano, que se aventura pela primeira vez em restaurante próprio, o facto de o Plano dispor de um jardim, onde decorreria o jantar ao livre, e me ter sido garantido que haveria o necessário distanciamento, podendo estar só acompanhado pela minha mulher numa mesa, contribuiu de forma determinante para pôr fim ao meu confinamento gastronómico.

Já no Verão passado, no período pré-abertura, ainda com os espaços interiores em obras, Vítor Adão se tinha aventurado com êxito nestes repastos a céu aberto, servidos então numa mesa comum para 18 pessoas, apostando nos grelhadores e assadores. No Inverno, os espaços interiores ficaram prontos e creio que continuaram a funcionar bem até aos fatídicos e pandémicos idos de Março, quando, como toda a gente, foi obrigado a fechar. Reabriu recentemente, com cozinha aberta desde a hora do almoço até tarde da noite, mas apenas às sextas, sábados e domingos. “Tem corrido bastante melhor do que esperávamos, estamos a analisar a hipótese de também abrir às quintas-feiras e talvez até às quartas-feiras”, disse-me.

Encontrei a casa cheia quando cheguei a esse restaurante anexo aos apartamentos Dona Graça – esses com poucos hóspedes, segundo me disseram – com os cerca de 30 comensais distribuídos em grupos pelo relvado junto à pequena piscina, aproveitando a amenidade do fim de tarde destes dias compridos. Mas, como também é típico do clima lisboeta, algumas esporádicas rajadas de vento dificultavam a tarefa dos que cozinhavam com fogo, o que, pelo que me pareceu, acabaria por se revelar o principal problema deste agradável desconfinamento gastronómico: ficámos mais de quatro horas à mesa, com excessivas demoras entre os pratos, que nem eram assim tantos – dois amuse-bouche servidos em simultâneo, couvert bem composto, quatro pratos, duas sobremesas. Vítor Adão terá que ser mais cauteloso neste aspecto, principalmente quando os pratos têm que sair ao mesmo tempo para muita gente – tanto mais que já sabe das dificuldades inerentes a trabalhar nestas condições – porque não há boa cozinha que resista a tanta demora.

Amuse-bouche e couvert

Devo dizer que não foi o ser um jantar a quatro mãos que me motivou a ir. São poucos os casos em que este tipo de iniciativas não redundam em experiências algo decepcionantes para quem acha que dois chefes “somam” mais do que cozinhando em separado ou que é uma boa maneira de ficar a conhecer a cozinha do chefe convidado, por muito estrelado que seja. E, de facto, fora uns bons três ou quatro apontamentos – e apenas um amuse-bouche e uma sobremesa de autoria assumida – não fiquei a perceber o que era da cozinha do chefe francês, tanto mais que ele e Vítor Adão estiveram sempre lado a lado, debruçados sobre o “fogareiro”, ao longo do longo jantar.

A primeira coisa que veio para a mesa, ainda era dia claro, foi um par de amuse-bouche, uma telha de farinha de arroz, mais rija do que crocante, com polvo e chouriço, de Evrard, e uma saborosa cabeça de xara rectangular e estaladiça, em que o chefe português é mestre, com berbigão, numa conjugação de porco-bivalves que costuma funcionar e funcionou. Depois o couvert da casa, com rissóis também de berbigão, azeitonas transmontanas, o estupendo azeite da Casa de Santo Amaro, de Mirandela, pão caseiro, o queijo Monte da Vinha, de Arraiolos, tudo bons produtos portugueses. Só não percebi a razão do recurso ao presunto ibérico de Salamanca. É certo que, hoje em dia, num daqueles absurdos que tanto nos prejudicam, é difícil encontrar bom presunto de Chaves, de onde Vítor Adão é natural, mas presunto de outras localidades de Trás-os-Montes não será. E o chefe mantém estreita ligação à sua terra, onde vai com frequência. Creio mesmo que, depois deste jantar, seguiu no dia seguinte com Gaetan Evrard para o Alto Tâmega.

Da esquerda para a direita, pratos de sardinha, carabineiro, tomate e vitela

Voltando ao jantar, vieram para a mesa uns lombos de sardinha num ponto de cozedura comovente, sobre uma tosta – para mim, demasiado grossa – com uma mousse feita com a cabeça do peixe, crumble e a própria espinha do peixe, limpa e frita, que era suposto também ser comida, algo de que desisti logo após a primeira dentada. Muito boa a pasta de pimento, que conferia um toque de frescura ao prato, mas que tinha o grave defeito de vir em pouca quantidade. Mesmo assim, um prato de que gostei bastante. Veio depois o ponto alto da noite, com um carabineiro igualmente perfeito de cozedura, com espuma de batata, pasta de cebola e satay, e um óptimo bisque américaine, (da autoria do chefe francês), presunto crocante, tudo integrando um conjunto delicioso.

O jantar prosseguiu com um agradável prato com tomate em diversos preparos, com pequenos percebes e lingueirão fatiado também em doses diminutas. Não me lembro de muitos pratos que juntem tomate com bivalves, mas gostei deste, embora um chutney de tomate demasiado doce – que felizmente estava no fundo numa pequena quantidade – tenha destoado completamente. Por fim, vitela transmontana maturada sem exageros, demi-glace, beringela e mais um apontamento vitorioso de Evrard, num béarnaise com clorofila, que conferia alguma originalidade ao prato. Soube bem, mas não entusiasmou. E ainda uma sobremesa fresca com meloa e outra, do chefe francês, com gelado de framboesa e muito chocolate, que quase não provei. Não só porque já passava da meia-noite, mas também porque acho cada vez mais que o chocolate é uma péssima e pesada maneira de terminar um menu degustação.

Sobremesas

Nos vinhos, espumante bairradino Quinta dos Abibes, Arinto & Baga, reserva 2015, que soube bem para inicio de noite quente, um curioso branco regional transmontano da Quinta do Sobreiró de Cima Gewurztraminer e Sauvignon-Blanc, que coincidiu com êxito com o prato de sardinhas, e um rosé razoável da Quinta do Poço do Lobo, Baga e Pinot Noir, 2018, da Bairrada, e um pesado e desinteressante Syrah, da Quinta do Sobreiró de Cima, de 2017, que tem alguma coisa como 16º de álcool…

No balanço final, apesar dos problemas enunciados, fiquei satisfeito por ter desconfinado no Plano. Não só porque o espaço é agradabilíssimo e o atendimento é muito simpático e bem educado, mas sobretudo, porque acho que vale a pena acompanhar este inicio de carreira a solo de Vítor Adão, que me parece com grande determinação em fazer as coisas bem feitas e já mostra uma segurança digna de muitos veteranos. Também me parece que ainda não encontrou bem o seu estilo – o que é normal para quem ainda só tem 30 anos -, mas é precisamente por isso que é interessante ver como evolui. Se mantiver a ambição e tiver sorte, julgo que irá longe.

Plano

Rua da Bela Vista à Graça, 128, Lisboa

Reservas: 933 404 461

Aberto o dia todo às sextas-feiras, sábados e domingos. A partir de dia 8 de Agosto, abre quintas e sextas-feiras à noite e o dia todo aos sábados e domingos

Fotos: Cristina Gomes

Nasceu em Lisboa em 1963. Licenciou-se em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa e trabalhou em diversos jornais (Semanário, Diário Popular e Diário de Lisboa) e, depois, na área de comunicação empresarial. Em 1997, começou a colaborar com a revista “Fortuna” na área de gastronomia e vinhos. Em 1999, criou a página “Boa Vida” para o “Diário de Notícias”, que coordenou até Janeiro de 2009, com algumas interrupções. Entre 2007 e 2019, foi coordenador do Projecto Gastronomia da Associação de Turismo de Lisboa e, nesse âmbito, director do festival gastronómico Peixe em Lisboa, continuando a escrever artigos sobre gastronomia e restaurantes em várias publicações.

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