Opinião

Ainda sobre o Guia Michelin Portugal 2024: o bom, o mau e o vilão (I)

A propósito dos resultados do Guia Michelin e com o assunto digerido resolvi fazer uma publicação na minha perspectiva, com as ilacções, aspectos positivos e negativos. Na verdade, como o artigo acabou por sair mais extenso do que previa achei por bem dividi-lo em duas partes, com a primeira, “o bom”, a ser publicada agora, e a segunda, “o mau e o vilão”, mais tarde. Vamos a isso?

O Bom

1 – Vítor Matos 

Se tivermos de nomear alguém como um claro vencedor da noite da gala Michelin, esse nome seria Vítor Matos, que conquistou 2 estrelas para o Antiqvvm, 1 para o 2Monkeys e viu ainda a sua chef do Blind, Rita Magro, conquistar o Prémio Chef Revelação Makro 2024. O chef nortenho, nascido em Vila Real e formado na Suiça, tem no seu currículo tudo aquilo que em termos clássicos o Guia Michelin adora: uma técnica apurada, uma cozinha precisa, luxuriosa e de base francesa. Daí não ter estranhado a 1ª estrela conquistada para o 2Monkeys, apenas 10 meses após abertura (estou em crer que o guia procurou certificar-se da solidez do projecto), ou até, talvez a menos esperada 2ª estrela para o Antiqvum, que me dava a sensação – errada, pelos vistos – de nem ser um restaurante a que Matos dedicava todas as suas fichas.  

2 – Óctávio Freitas e a Madeira 

Ao conquistar uma 1ª estrela Michelin para seu restaurante Desarma, no Funchal, Octávio Freitas consegue provar que é preciso ter talento, recursos e dominar os códigos do guia para alcançar tal feito, mas que já não é necessário ser estrangeiro ou vir de fora da ilha, como o próprio mencionou no seu discurso. Tal feito pode ser alcançado por alguém que fez toda a carreira no território e boa parte dela em hotéis pouco badalados. Talvez menos surpreendente, mas igualmente digno de destaque foi, também, o prémio de sommelier do ano NX Hotelaria alcançado por Leonel Nunes, do igualmente madeirense restaurante Il Gallo d’Oro

3 – Rodrigo Castelo 

Acompanho há muito a carreira de Rodrigo Castelo (somos ambos ribatejanos), pelo qual tenho uma grande admiração pela forma como tem subido a pulso e como obstinadamente tem procurado melhorar o seu Ó Balcão, em Santarém. Tudo isto cimentado com o modo como apresenta uma  cozinha genuína, regional e contemporânea, a partir do seu trabalho, assente nas tradições e no produto local – a forma como trabalha os peixes do rio, as carnes bovinas e suínas – em ambos os casos sejam de cura ou frescos – é de facto exemplar.  Castelo não é o único a fazê-lo em Portugal, mas é um dos mais originais. 

 4 – João Sá

É injusto ouvir muitas vezes João Sá ser apresentado como “o marido de Marlene Vieira”, mas num meio em que devia haver maior paridade e em que os homens continuam em maioria, acho que nem ele se importa muito com o epiteto – até porque é um profissional seguro e toda a gente sabe que fez a sua carreira de forma autónoma. A verdade é que embora seja uma figura discreta, mas com uma carreira sólida, João Sá tem muitos fans – já desde o tempo em que muito jovem liderou o G Spot, em Sintra. Talvez o maior elogio que se lhe possa fazer foi a forma sábia como conseguiu criar o Sála e fazê-lo evoluir paulatinamente até atingir a consistência que lhe valeu agora a sua primeira estrela Michelin. Sim, porque o “resto”, o talento, a criatividade e a liderança,  já eram características reconhecidas por muitos. 

5 – Francisco Quintas 

Ao ganhar a sua primeira estrela Michelin aos 25 anos, Francisco Quintas arrisca-se a ser o chef mais jovem a alcançar tal feito, em Portugal. É verdade que o faz um pouco na sombra de Vítor Matos, o chef principal do 2Monkeys, mas o seu papel enquanto autor no restaurante, vai além do papel que é habitualmente reservado a muitos chefes executivos. 

6 – A subida ao palco dos “Restaurantes Recomendados” 

Sem a subida ao palco dos chefes dos novos “Restaurantes Recomendados” do Guia Michelin, a gala de terça-feira não teria durado mais de meia hora. É verdade que o recurso serviu de bengala ao espetáculo e que esse tivéssemos muitos “novos” 1 estrela para apresentar, como acontece habitualmente em Espanha, tal não teria acontecido. Porém, dadas as circunstâncias, a decisão é de aplaudir, até porque a lista em geral é boa, diversificada (até em termos geográficos) e fresca. Ou seja, com este gesto, a Michelin mostrou que andou pelo país e que procurou rejuvenescer as entradas no guia. Além disso, passou uma mensagem de esperança com este reconhecimento, como quem diz: “vocês já estão cá, agora depende das vossas pretensões e do que fizerem”. 

7 – O bom senso

Á saída do auditório da gala Michelin, após o anúncio dos resultados, sentia-se um ar denso de desilusão e mesmo de indignação. “O que é isto?”, “ o que é que aconteceu?”, “ridículo!”. Tudo isto tinha a ver com expectativas a que não ajudaram as palavras iniciais de “excelente ano para a gastronomia portuguesa”, anunciadas por Gwendal Poullennec, o director internacional dos guias – bom, mas deixo essa parte para depois. Quero destacar neste ponto as mensagens positivas publicadas nas redes sociais por alguns dos envolvidos, nomeadamente por José Avillez, que muitos esperavam que tivesse saído do Algarve com 3 estrelas gravadas na jaleca. Avillez terá ouvido certamente algumas vozes indignadas a questionar apressadamente o investimento realizado e a colocar em xeque a sua continuidade por parte das entidades oficiais ligadas ao turismo, nomeadamente do Turismo de Portugal.

 O mais destacado chef português da actualidade talvez tenha dourado demasiado a pilula nesse post, mas foi inteligente, porque ele sabe, melhor do que ninguém, o significado e a importância para a restauração de qualidade do país de termos um “guia” e uma cerimónia Michelin dedicada apenas a Portugal. De facto, é importante perceber que isto não é um sprint de 100 metros, mas sim uma corrida de fundo e que os resultados do investimento serão muito mais visíveis a médio longo prazo – e não tem só a ver com estrelas. Portanto, faça-se um balanço, escrutine-se o investimento efectuado, corrija-se o que houver para corrigir – e este último aspecto é válido inclusive para os restaurantes com aspirações às estrelas – mas dê-se tempo ao tempo para que os resultados apareçam de uma forma mais sólida.   

8 – A Festa

Passada a frustração de muitos, houve convívio, boa disposição, bons vinhos, óptima comida – por parte dos restaurantes com estrelas Michelin do Algarve ( e aí em nada ficaram a dever aos seus pares da gala espanhola) e festa rija até às tantas. Neste último campo, foram imbatíveis!

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2 comments on “Ainda sobre o Guia Michelin Portugal 2024: o bom, o mau e o vilão (I)

  1. aguardo com expectativa o mau e o vilão

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  2. Ter restaurantes em Portugal com estrelas Michelin a facturar 200€ por pessoa é bom para quem cobra. Até parece que o país é rico. Mas só lá vai quem quer e “pode”.

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