Fui ao jantar do primeiro aniversário do restaurante Zunzum, de Marlene Vieira, e recebi de “presente” dois pratos sensacionais. Eram duas entradas, daquelas boas para partilhar, como é comum neste agradabilíssimo espaço situado no novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa, umas filhós de berbigão à Bulhão Pato com limão e coentros e um pica-pau de percebes com limão preservado e manteiga noisette(na foto de abertura). A própria chefe não estava presente, devido à necessidade de isolamento causada por um caso positivo de Covid de um familiar próximo (felizmente, sem consequências graves) e só agora falei com ela ao telefone, não só para saber algo mais sobre estes dois pratos inesquecíveis, mas também que balanço fazia deste ano atribulado de um restaurante sobre cujos primórdios aqui escrevi.
“Temos as filhós quase desde o início e é um dos nossos best-sellers. Usamos massa de filhós – sem açúcar, é claro – , numa forma típica e fritamos. Fazemos um creme com os sucos do berbigão à Bulhão Pato e ainda pensámos em usar algas, mas preferimos ligar com batata, que tem um sabor mais neutro [regozijei-me silenciosamente do outro lado da linha, as algas não faziam falta nenhuma]. Os berbigões são pouco cozidos, quase uma esferificação natural…”, explicou Marlene Vieira. Ficou, de facto, excelente de sabor e textura, sem que a fritura interferisse minimamente com a leveza do bivalve, sentindo-se a presença dos ingredientes do Bulhão Pato, tudo muito bem equilibrado.
Filhós de berbigão à Bulhão Pato
O pica-pau de percebes é um achado. É daqueles pratos arriscados, que contraria a ideia de que os bons produtos só são bem aproveitados de forma “simples” – neste caso com uma curta cozedura – que caminha à beira do precipício, já que, se soubermos que leva um molho demi-glace e manteiga noisette, o perigo de estragar o sabor único deste bivalve está sempre presente. Pois bem, nada disso. Por incrível que pareça, percebes e molho convivem na perfeição, ajudados pela acidez do limão, cada um exibindo exuberantemente os seus atributos. Umas fatias de pão torrado foram devoradas com o molho e limpou-se o tacho.
Marlene Vieira reconhece o risco do prato, que só agora no Verão foi introduzido na carta. “Queria fazer alguma coisa com percebes, mas achei que não tinha sentido servi-los apenas ao natural, para isso já temos muito boas marisqueiras”. Vai daí, foi experimentando até chegar a este prato, que, tal como o anterior, é muito adequado à ideia de partilha e de petisco. E qual foi a reacção dos clientes, já se sabendo que há sempre gente disposta a rasgar as vestes em nome da pureza dos produtos? “É claro que houve pessoas que me disseram que preferem percebes ao natural [porque é que então pedem pratos destes? pergunto eu], mas há muitas mais que, passada a surpresa inicial, dizem que adoram e até há vários que voltam cá especialmente por causa deste prato”, orgulha-se a chefe.
Ainda sobre este jantar, de destacar o couvert, com bons pães e brioche, manteiga dos Açores e pasta de chouriço, onde constavam ainda as pataniscas que Marlene Vieira faz como ninguém. Já os pratos principais foram mais “normais”. Um, era “prato do dia”, com corvina com puré de batata e uns vegetais, tudo bem feito, mas sem grande história. E uma óptima perna de pato assada com arroz de forno tradicional, que foi prejudicada pela sua previsibilidade, contrastando com a exaltação provocada pelas entradas. Mas é um belíssimo prato, que não restem dúvidas. Marlene Vieira justificou-me este contraste considerando que faz parte da natureza do Zunzum, onde mesas grandes são frequentes, apresentar propostas mais arrevesadas e outras mais conhecidas, de modo a todos os clientes terem opções a gosto.
Perna de pato assada com arroz de forno tradicional
Por falar em clientes, segundo a chefe, eles não têm faltado na curta vida do Zunzum. Isto é, não faltaram quando as restrições pandémicas o possibilitaram. “Os primeiros três meses correram muitíssimo bem, acima de quaisquer expectativas que tivéssemos, mas depois com o Inverno e especialmente com o encerramento obrigatório em Janeiro, travámos a fundo”, recorda Marlene Vieira. Nessa altura, equacionou a hipótese de passar o espaço, mas prevaleceu, felizmente, a atitude de ser adaptar ao que era possível. “Fizemos take-away, que foi muito bom, trazendo-nos inclusive novos clientes, e, com o encerramento às 13h aos fins de semana, tirei partido de já ter trabalhado em hotéis, para um pequeno-almoço tardio, não gosto de lhe chamar brunch. Foi uma loucura, sobretudo entre clientes mais jovens, e chegámos e ter que mandar gente embora”.
Finalmente, a reabertura, primeiro da esplanada em Abril e agora na totalidade, já sem restrições horárias, permitindo que o Zunzum esteja aberto todos os dias do meio-dia às 23h durante a semana, até à meia-noite aos fins de semana, fechando apenas ao domingo depois das 17h. Para atrair público mais jovem, às quintas e sexta-feiras à noite há DJ’s a pôr música (no dia de aniversário era Fernando Alvim quem cumpria a função), muitos dos quais ainda estão com pouco ou nenhum trabalho devido à pandemia.
Despedi-me de uma Marlene Vieira optimista e já com planos para o ano que vem. “O Zunzum tem que ser um espaço dinâmico e em 2022 vou trazer 12 chefes, cada um representando uma região portuguesa diferente, para cozinharem dois dias a cada mês, e eu vou cozinhar com eles”, adianta. Quanto ao Marlene, o seu restaurante mais sofisticado, que fica mesmo ao lado do Zunzum e cuja abertura tem vindo a ser sucessivamente adiada, o objectivo é abrir finalmente em Novembro. “Quase todos os nossos clientes são portugueses – quase não temos turistas – e eles têm-nos acompanhado sempre, andado ao nosso lado, seja nos meses iniciais seja no take-away seja nos pequenos almoços seja agora na reabertura. Foram tempos muito difíceis, ainda são, mas acho que não me posso queixar deste primeiro ano”, conclui a chefe.
Fui ao jantar do primeiro aniversário do restaurante Zunzum, de Marlene Vieira, e recebi de “presente” dois pratos sensacionais. Eram duas entradas, daquelas boas para partilhar, como é comum neste agradabilíssimo espaço situado no novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa, umas filhós de berbigão à Bulhão Pato com limão e coentros e um pica-pau de percebes com limão preservado e manteiga noisette (na foto de abertura). A própria chefe não estava presente, devido à necessidade de isolamento causada por um caso positivo de Covid de um familiar próximo (felizmente, sem consequências graves) e só agora falei com ela ao telefone, não só para saber algo mais sobre estes dois pratos inesquecíveis, mas também que balanço fazia deste ano atribulado de um restaurante sobre cujos primórdios aqui escrevi.
“Temos as filhós quase desde o início e é um dos nossos best-sellers. Usamos massa de filhós – sem açúcar, é claro – , numa forma típica e fritamos. Fazemos um creme com os sucos do berbigão à Bulhão Pato e ainda pensámos em usar algas, mas preferimos ligar com batata, que tem um sabor mais neutro [regozijei-me silenciosamente do outro lado da linha, as algas não faziam falta nenhuma]. Os berbigões são pouco cozidos, quase uma esferificação natural…”, explicou Marlene Vieira. Ficou, de facto, excelente de sabor e textura, sem que a fritura interferisse minimamente com a leveza do bivalve, sentindo-se a presença dos ingredientes do Bulhão Pato, tudo muito bem equilibrado.
O pica-pau de percebes é um achado. É daqueles pratos arriscados, que contraria a ideia de que os bons produtos só são bem aproveitados de forma “simples” – neste caso com uma curta cozedura – que caminha à beira do precipício, já que, se soubermos que leva um molho demi-glace e manteiga noisette, o perigo de estragar o sabor único deste bivalve está sempre presente. Pois bem, nada disso. Por incrível que pareça, percebes e molho convivem na perfeição, ajudados pela acidez do limão, cada um exibindo exuberantemente os seus atributos. Umas fatias de pão torrado foram devoradas com o molho e limpou-se o tacho.
Marlene Vieira reconhece o risco do prato, que só agora no Verão foi introduzido na carta. “Queria fazer alguma coisa com percebes, mas achei que não tinha sentido servi-los apenas ao natural, para isso já temos muito boas marisqueiras”. Vai daí, foi experimentando até chegar a este prato, que, tal como o anterior, é muito adequado à ideia de partilha e de petisco. E qual foi a reacção dos clientes, já se sabendo que há sempre gente disposta a rasgar as vestes em nome da pureza dos produtos? “É claro que houve pessoas que me disseram que preferem percebes ao natural [porque é que então pedem pratos destes? pergunto eu], mas há muitas mais que, passada a surpresa inicial, dizem que adoram e até há vários que voltam cá especialmente por causa deste prato”, orgulha-se a chefe.
Ainda sobre este jantar, de destacar o couvert, com bons pães e brioche, manteiga dos Açores e pasta de chouriço, onde constavam ainda as pataniscas que Marlene Vieira faz como ninguém. Já os pratos principais foram mais “normais”. Um, era “prato do dia”, com corvina com puré de batata e uns vegetais, tudo bem feito, mas sem grande história. E uma óptima perna de pato assada com arroz de forno tradicional, que foi prejudicada pela sua previsibilidade, contrastando com a exaltação provocada pelas entradas. Mas é um belíssimo prato, que não restem dúvidas. Marlene Vieira justificou-me este contraste considerando que faz parte da natureza do Zunzum, onde mesas grandes são frequentes, apresentar propostas mais arrevesadas e outras mais conhecidas, de modo a todos os clientes terem opções a gosto.
Por falar em clientes, segundo a chefe, eles não têm faltado na curta vida do Zunzum. Isto é, não faltaram quando as restrições pandémicas o possibilitaram. “Os primeiros três meses correram muitíssimo bem, acima de quaisquer expectativas que tivéssemos, mas depois com o Inverno e especialmente com o encerramento obrigatório em Janeiro, travámos a fundo”, recorda Marlene Vieira. Nessa altura, equacionou a hipótese de passar o espaço, mas prevaleceu, felizmente, a atitude de ser adaptar ao que era possível. “Fizemos take-away, que foi muito bom, trazendo-nos inclusive novos clientes, e, com o encerramento às 13h aos fins de semana, tirei partido de já ter trabalhado em hotéis, para um pequeno-almoço tardio, não gosto de lhe chamar brunch. Foi uma loucura, sobretudo entre clientes mais jovens, e chegámos e ter que mandar gente embora”.
Finalmente, a reabertura, primeiro da esplanada em Abril e agora na totalidade, já sem restrições horárias, permitindo que o Zunzum esteja aberto todos os dias do meio-dia às 23h durante a semana, até à meia-noite aos fins de semana, fechando apenas ao domingo depois das 17h. Para atrair público mais jovem, às quintas e sexta-feiras à noite há DJ’s a pôr música (no dia de aniversário era Fernando Alvim quem cumpria a função), muitos dos quais ainda estão com pouco ou nenhum trabalho devido à pandemia.
Despedi-me de uma Marlene Vieira optimista e já com planos para o ano que vem. “O Zunzum tem que ser um espaço dinâmico e em 2022 vou trazer 12 chefes, cada um representando uma região portuguesa diferente, para cozinharem dois dias a cada mês, e eu vou cozinhar com eles”, adianta. Quanto ao Marlene, o seu restaurante mais sofisticado, que fica mesmo ao lado do Zunzum e cuja abertura tem vindo a ser sucessivamente adiada, o objectivo é abrir finalmente em Novembro. “Quase todos os nossos clientes são portugueses – quase não temos turistas – e eles têm-nos acompanhado sempre, andado ao nosso lado, seja nos meses iniciais seja no take-away seja nos pequenos almoços seja agora na reabertura. Foram tempos muito difíceis, ainda são, mas acho que não me posso queixar deste primeiro ano”, conclui a chefe.
Fotografias: Cristina Gomes
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