Critica Gastronómica Notas

O Ó Balcão subiu de nível, deixou cair a taberna, mas não a alma

O Ó Balcão mudou. Refinou-se, deixou cair a taberna do nome e do menu, mas não mudou a essência que nos últimos anos tem vindo a ser explorada pelo Rodrigo Castelo. Antes pelo contrário, reduziu as propostas (deixando cair uma parte mais de petisco), apurou e concentrou-se nessa vertente de uma cozinha mais de autor baseada nos produtos e nas tradições do Ribatejo sem nele se fechar. Ao Rodrigo era certamente mais fácil ter enveredado pelo lado petisqueiro, mais popular, de que é também adepto. Porém, ele é daquelas pessoas com bicho carpinteiro que quer sempre fazer mais, chegar mais longe, deixar uma marca. Ainda por cima estando numa das regiões mais importantes do país em termos de agropecuária (produção, ensino, investigação, etc) que tem também uma actividade ligada ao rio (Tejo) quase em extinção e que ele tenta recuperar. Que eu saiba, nunca ninguém explorou esse potencial na região como ele o fez e tem feito, pelo menos nos últimos anos. 

Porém, o melhor de tudo isto é que todo esse esforço resulta num conjunto de propostas bem conseguidas. Esta passagem pelo Ó Balcão era para um almoço rápido, uma pausa numa viagem de família. Havia tempo (e metabolismo) apenas para provar dois ou três pratos dado as duas horas e meia de viagem a percorrer depois. 

E assim foi – sucintamente, que isto não era suposto ser uma critica gastronómica, ou pelo menos, não nos parâmetros mais analíticos que costumo seguir. Para começar, veio umas fatias de cecina e outras de língua de vaca curada e fumada. Na primeira, o ponto de sal estava algo acima do desejável, já a segunda era um estrondo. Textura sedosa, sabor bem presente, mas equilibrado a revelar uma cura no ponto. Bom couvert, também, com bom pão feito na casa e umas camarinhas (micro camarões) estaladiças viciantes e ainda uns snacks de sabores locais, aperaltados, ao estilo mais de fine dining (creio que são do menu de degustação). Comemos de entrada um “corneto” de coscorão do rio até ao mar – ou seja de peixes de ambos os habitats – que é já um clássico, onde a passa crocante do coscorão salgado combina a preceito com a frescura dos peixes como num ceviche. 

Depois, como pratos principais veio um arroz cremoso de caranguejo de estalo. No ponto, “malandrinho”, perfeito e preciso no sabor. O outro era um gratinado de rabo de touro, um prato de conforto dado pela carne cozinhada por muitas horas, limpa, desfiada e entremeada entre camadas finas de batata. Gulodice pura e apurada, muito mais leve do que aparentava ao olhar – e é esse um dos trabalhos de um cozinheiro actual, quando se acerca de algo mais rústico: conferir o máximo de carácter aproveitando todo o potencial do produto, sem se refugiar na gordura como atributo de sabor.  

E por falar em gulodice, não poderia deixar de destacar o “café das velhas”, algo com ar de sobremesa da avó sem tropeçar demasiado no açucareiro: uma rabanada crocante por fora e molinha por dentro, com gelado de café e (creio) um creme também de café. A dar um twist certeiro contrastante, uns “nibs” de azeitona preta desidratada. 

  • língua de vaca curada
  • Arroz cremoso de caranguejo
  • Gratinado de rabo de touro do restaurante Ò Balcão, em Santarém
  • Sobremesa Café das velhas

E com uma sensação de um almoço saboroso servido num timing perfeito e estranhamente, ou melhor, e agradavelmente leve, seguimos viagem para Sul – sem sequer uma paragem para uma água das pedras numa área de serviço. 

Contactos: Restaurante Ó Balcão, Rua Pedro de Santarém n.°73, Santarém. Aberto ao almoço e jantar. Encerra ao domingo // Telefone: 918 252 808

P.S. Para os preguiçosos de Lisboa (nos quais muitas vezes me incluo): Santarém fica 70km, a menos de 1 hora de Lisboa.

Co-autor do Mesa Marcada. Escreve sobre gastronomia no Público, Revista de Vinhos (crítica gastronómica) e em títulos internacionais como Cook Inc (Itália), Eater.com (EUA) e Gula (Brasil). É autor do livro “Lisboa à Mesa - Guia onde Comer. Onde Comprar”, com edições em português, inglês e espanhol (na Planeta).

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