Com a chegada dos dias mais quentes, surge a época do manjericão genovês, cultivado ao ar livre, uma das ervas aromáticas que mais gosto. Com ele, volto a um dos molhos mais populares da cozinha italiana, o pesto genovês (ou liguriano), associado normalmente a massas, mas que é bastante versátil – por exemplo, vai bem com gnocci de batata ou em saladas frias.
Vi pela primeira vez uma folha de manjericão já no início da década de 1990, tinha uns vinte e poucos anos. Coincidiu com a primeira massa com molho pesto que comi, confecionada pela namorada na época, que guardava religiosamente na varanda um vaso com a planta cujas sementes tinha trazido de Itália. Não foi amor à primeira vista, foi mais um “primeiro estranha-se depois entranha-se” (refiro-me ao pesto). Pouco conhecido na altura, a verdade é que o molho pesto se popularizou e, na primeira década e meia da minha vida adulta, salvou muitas refeições entre amigos. “Epá, amanhã há jantar em casa da Susana, devemos ser uns seis, ela vai fazer um pesto”. Só que a Susana tinha dificuldade em excluir amigos e muito facilmente o número de convidados ia para o dobro, ou mais. Mas não havia stress, comprava-se mais um pacote de massa, duplicava-se o molho e, à boa maneira portuguesa, servia-se como prato principal.
Confesso que nunca me preocupei demasiado com a receita original – nem eu, nem os amigos, excepto o Luís, que seguia rigorosamente uma receita apontada num caderno. Basicamente, agarrava-se nos ingredientes, metia-se tudo no processador, sem ordem especifica, e triturava-se. Claro, umas vezes ficava mais verde, outras mais escuro; umas vezes mais herbáceo, outras mais “alhado”, várias vezes mais granulado, outras mais pastoso.
Certo, mas… e como se faz mesmo um pesto genovês autêntico?
A popularidade deste molho trouxe-lhe novas conjugações, um pouco por todo o mundo, e quando assim é (para tristeza dos ligurianos mais puristas) a receita vai ganhando camadas (outros ingredientes) e a confecção vai sendo simplificada, recorrendo-se ao auxílio de processadores de alimentos, picadoras, bimbys e afins.
Porém, na verdade, para confecionar um pesto autêntico, alla genovese ou ligure são necessários apenas 6 (ou 7, vá lá) ingredientes: sal grosso, alho, pinhões, manjericão, queijo (parmesão ou pecorino ou uma mistura dos dois) e azeite. Bom, para ser verdadeiramente um pesto genovês deveria usar-se apenas produtos da região da Ligúria ou de proximidade (no caso do queijo). Acontece que muitos destes ingredientes de origem não são fáceis de encontrar e portanto, na sua ausência, use-se os melhores que se conseguir encontrar.
O utensilio, a técnica e ordem de entrada dos ingredientes
Embora muitos utilizem o processador de alimentos (inclusive em Itália), um molho pesto deve ser feito à mão, recorrendo a um almofariz e ao pilão. Primeiro pisa-se o sal grosso com o alho cortado finamente, seguindo-se o pinhão (que se introduz a pouco e pouco), até se alcançar uma pasta cremosa. Depois, junta-se o manjericão (apenas as folhas – de preferência as mais jovens – e nunca os caules ou as flores), a seguir o queijo. O azeite só entra no final, em quantidade comedida, para ligar.
É importante que o almofariz esteja frio (melhor se for de mármore, que ajuda a manter a temperatura baixa) de modo a não volatilizar os óleos essenciais dos elementos. Também não se devem esmagar os ingredientes batendo com o pilão, mas sim utilizá-lo num movimento circular com o pulso. Quanto ao aspecto, ele deve resultar num creme denso e aromático ao qual se pode juntar um pouco de água de cozer a massa (que contém amido) de forma a envolver melhor o molho e a massa, que na Liguria as mais comuns são a trofie, a testaroli ou a trenette – algumas destas massas são comercializadas por cá, mas como nem sempre as encontro, uso normalmente penne ou linguine).
Bom, para conhecer o processo e a técnica, nada melhor do que ver um especialista a fazê-lo por isso convido-vos a visionarem o vídeo abaixo. Aliás, foi este vídeo de Giuliano Sperandio (na altura chef do no Clarence em Paris e actualmente do Taillevent, 2 estrelas, na mesma cidade) e Mauro Ricciardi, (do restaurante Mauro Ricciardi alla Locanda dell’Angelo – 1 estrela Michelin -, em Oneglia, La Spezia, na região da Liguria), que serviu de mote a este post.
“Digamos que este molho é um extracto de óleos essenciais de manjericão, pinhão e alho”
Além deste vídeo da Italia Squisita, aconselho igualmente outro em que os mesmos mais a chef Pina Beglia analisam vídeos de receitas de pesto popularizadas na internet. A reacção deles é maravilhosa. Ainda que nunca percam a compostura e consigam ser compreensíveis, aqui e ali o trio não consegue evitar um olhar mais cínico e comentários de incredulidade ou indignação. “Já vi de tudo, mas limão, nunca”; “Porquê, pimenta?!!”; “isso é uma ‘salsa verde’, não um pesto?!” “isto é um molho de pinhões, tem mais pinhões que manjericão!” “isso é um vulcão de azeite!”
Caro leitor, agora já não tem razão para não fazer um pesto autêntico alla genovese ou ligure. Toca a dar ao pulso, respeite as proporções e a ordem de entrada em cena dos ingredientes e vai ver que é mesmo outra coisa.
P.S. sim, o pesto da imagem abertura é mais escuro (parece um pouco oxidado), do que o da masterclass do mestre Mauro Ricciardi. Acreditem ou não, a imagem foi retirada do Italia.it, o site oficial do Ministério de turismo italiano.
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