Não encontrava a empolgação que me fizera querer estar ali, a cada minuto e segundo do ano paquidérmico que passou. Só via os salões vazios do aeroporto, uma sequência infinita de sádicos organizadores de filas separando o nada, além de alguns poucos funcionários e pessoas sem ânimo que andavam segurando os pés como quem teme o embarque.
Ninguém corria, não havia abraços ou despedidas, não me indispus com os lerdos do raio-X. Ali estávamos para os 6 únicos voos daquela sexta, perdidos no painel imenso: Amsterdã, Miami, Houston, Paris, Cidade do Panamá e o meu destino, Lisboa.
O Duty Free nunca foi tão comprido, com carrosséis de mercadorias esquecidas, expostas para os fantasmas dos viajantes frustrados. Quase todos os quiosques estavam fechados, alguns com uma fita delimitando o espaço das cadeiras ausentes, guardando a cena do público que morreu.
O avião vazio não era “sorte”, o bagageiro tampouco. As máscaras de todos me fizeram lembrar que era difícil (e perigoso) respirar.
Pus os fones de ouvido.
Decidi não olhar mais para os corredores e preguei minha atenção nas luzes da pista, a única imagem que consegui reconhecer da tal “alegria de viajar” além do fôlego suspenso ao sentir o corpo pressionado contra o assento. Dormi.
Cumprida a quarentena, com duas doses de vacina, o marido e a filha, decidi tentar retomar a vida antiga com prudência. Os dias em Lisboa me caíram como um soro que pingava um tanto de vida nas minhas veias, diariamente. Mas que vida?
A verdade é que muito antes de virar necessidade, eu já detestava aglomeração. Até em almoço de amigas, sempre soube que uma mesa de oito mulheres renderia oito monólogos gritados, em que ninguém escuta ninguém e conversas cruzadas tentam pular, uma por cima da outra. Como foi a viagem? Sua blusa está linda! Para onde? Minha irmã me deu! Ele já está na escola? Nova York. O quê? Fernando não foi. Ameeeeeei, gente! Beijo, tchau…
A felicidade vem acompanhada da sensação de ter saído com 35 assuntos pendurados, que se somaram aos 1347 inacabados, dos últimos encontros. Ideal é grupo de três. Assim estávamos: eu, o marido e a filha.
Seguimos um roteiro diferente, que meu plano pandémico batizou como “não ver nem ser vista”. Fui aqui e ali, escolhendo os meios de tarde, uns jantares às 5, uns horários improváveis em que ninguém encontra ninguém. Espero que gostem.
(Essa lista não pretende ser exaustiva, simplesmente foi a última. É muito, o que fica para trás…)
PRADO
Tinha de começar com um dos meus restaurantes preferidos na cidade, que inaugura minhas chegadas e me obriga a uma despedida, antes da partida. O lugar tem meu jeito, inclusive porque a ideia de comer pequenos pratos é psicologicamente eficaz. Afinal, têm menos calorias e não carregam o compromisso da escolha de um pratarraz que pode não agradar. Foi bom? Próximo! Não foi? Nunca aconteceu. São pratos feitos com ingredientes de excelência portugueses, pinçados a cada Estação e apresentados pela hábil equipa de sala, sob o comando da competentíssima Becas, sócia e mulher de António Galapito, o chef. Essa foi a vez dos ovos de codorniz fumados com uma espécie de geleia de cogumelos no topo e um presunto cru que derretia na boca. A sardinha levemente marinada com creme de salsa e lardo estava na época (de gritar). A carta de vinhos é muito original, com rótulos (no mínimo) orgânicos e preferencialmente naturais. Para completar, uma vantagem que era invisível antes da pandemia: um pé direito tão imenso quanto raro em Lisboa, além de uma grande distância entre as mesas, graças ao lugar ter sido uma fábrica de conservas em outra encarnação.
Travessa das Pedras Negras, Lisboa. Tel: 210 534 649
ARKHE
Sempre fico tentada a dizer para amigos carnívoros que o Arkhe não é vegetariano. Eu também não sou, e confiem: o menu degustação do chef João Ricardo Alves, que muda a cada Estação, é uma sinfonia crescente em peso e textura, como quem vai de uma salada a um prato robusto de carne. Aquela, que lá nunca não me falta. Os vinhos estão nas mãos do competentíssimo sócio e sommelier Alejandro Chávarro. Para mim, a melhor carta de Lisboa.
Rua Boqueirão Duro 46, Lisboa. Tel: 21 139 5258
SENHOR UVA
Foi antes da pandemia e pelas mãos de uma amiga, que conheci O SENHOR UVA, um bistrô de vinhos naturais e cozinha vegetariana, na Estrela. Também é feito de pequenos pratos (me desculpem ser tão previsível) e tem uma seleção invejável de vinhos a copo. Desta vez, me encantei pelas abobrinhas com molho ponzu, semente de mostarda, crocante de arroz frito e funcho do mar e, ainda, pelos morangos com creme de queijo de cabra e biscoito de pistácio, que fecharam a noite. Para passar a qualquer hora do dia.
R. de Santo Amaro 66A. Tel: 21 396 0917
PRAIA NO PARQUE (Barra Cru & Sushi)
Ali, a ideia é de ficar no balcão de cozinha japonesa pilotado pelo chef carioca Lucas Azevedo. Ainda aproveitando a temporada, devorei uma sardinha marinada fenomenal. Ficaram na lembrança a simples e delicada berinjela frita no dashi e salivo, ainda, com a barriga de atum gordo maturado por 3 semanas, passado no carvão bichotan – que solta a primeira camada de gordura e faz a caramelização de Maillard.
Alameda Cardeal Cerejeira (Parque Eduardo VII) Lisboa. Tel: 968 842 888
RESTAURANTE SEM
Antes de ser um restaurante sustentável, é um restaurante bom. O projeto do casal Lara Espírito Santo e George McLeod é cheio de conservas e outros métodos de preservação de aparas e sobras, com vistas ao não desperdício. O resultado é leve, inventivo, fresco e o tamanho do menu (com o perdão do trocadilho), totalmente sustentável. Adorei as camarinhas com algas. Camarinhas são micro camarões, abundantes em Portugal, mas desprezados pelos próprios portugueses (95% deles vai para a Espanha). Podia comê-los o dia inteiro. Gostei especialmente um prato de batatas com chucrute e do cordeiro com ameixas, alho poró e batata doce, não fosse o chef neo zelandês um especialista no assunto. O menu muda diariamente, de acordo com os produtos trazidos por pequenos produtores.
Rua das Escolas Gerais 120, Lisboa. Tel: 21 886 0399 /939 501 211
PABE
A arquitetura parece de um pub inglês com soluços eventuais de um restaurante suíço. No restaurante, agora com 50 anos de idade, a discrição sempre foi um grande ativo. Afinal, lá nasceram partidos políticos, foram fechados grandes negócios e discutidos os rumos do país, já que ficava junto à sede do Jornal Expresso e costumava acolher as conversas dos jornalistas com figuras públicas. Num lugar como esse só poderia caber o serviço discreto e absolutamente impecável que presenciei, que de fato é o grande ativo da casa. O momento ali é de clássicos como salada caesar, de um steak tartare preparado diante da mesa, de queijos excelentes e de vinho Madeira, como sobremesa, pra quem for dos meus.
R. Duque de Palmela 27 – A, Lisboa. Tel: 21 353 5675
BISTRO BICHO MAU
O pequeno bistrô de Campo de Ourique fica diante da Casa de Fernando Pessoa, um prédio onde o poeta resolveu ocupar o primeiro andar em seus últimos 15 anos de vida. Comi um excelente enxaréu em lascas levemente defumadas com madeira de oliveira, salpicadas com os verdes da Estação (beldroegas e mostardas) com azeite, pimenta e queijo São Jorge com 24 meses de cura. Ótimo também era o brioche com a carne de porco, que era especialmente macia e doce, graças à alimentação especial e uma maturação de 9 dias. O contraste crocante e levemente ácido ficou por conta do cole slaw de couve roxa. Tudo muito delicado, numa refeição simples, saborosa e adequada à Estação, como cabe a um bistrô.
R. Coelho da Rocha 21A, Lisboa. Tel: 21 160 8694
MAR DO INFERNO
Para mim, há um lugarzinho no céu para peixes simplesmente assados no sal grosso. Sou mulher de um pedido só, nesse restaurante de Cascais. O que muda é o peixe: às vezes pargo, às vezes robalo. Como entrada, adoro as bruxas, mariscos apanhados ali mesmo na costa, ou os maravilhosos carabineiros do Algarve, que mereciam um pronome de tratamento importante, como Vossa Magnificência. Tudo acompanhado por um serviço sempre muito simpático.
Av. Rei Humberto II de Itália, Cascais. Tel: 21 483 2218
IL MATRICIANO
Lisboa tem várias simpáticas cantinas, com foco em pizza, mas poucos restaurantes gastronómicos italianos. Para os dias em que a saudade aperta, há o pequenino Il Matriciano, comandado pelo adorável casal Alessandro e Stefania. Estive por lá várias vezes. A casa tem massas que sempre me deixam feliz e, na última visita, vi com alegria o aumento da carta de vinhos o brotar de uma varanda muito agradável.
R. de São Bento 107, Lisboa. Tel: 21 395 2639
CURA
É restaurante para momentos especiais, com menu de várias etapas concebido pelo chef Pedro Penna Bastos e harmonização a cargo do animado e competente Mário Marques. Os pães não vêm no início, já que são dignos de uma atenção especial: há um de leite e outro feito de trigo centenário que merecem uma oração. Vêm com crocante de parmesão, queijo de São Jorge, manteiga fumada da Ilha das Flores e azeite extra-virgem de Tomar. Das etapas, ressalto as incontornáveis ostras do Sado, com diferentes texturas de pepino, espuma de gergelim e ovas de salmão e o pargo de Peniche com purê de brócolos e emulsão de açafrão que vinha regado com um molho feito das espinhas e fígado do peixe. Uma delícia. No Four Seasons de Lisboa.
Ritz Four Seasons Lisboa – Rua Rodrigo da Fonseca, 88, Lisboa. Tel: 213 811 401.
Foto: @adelchiziller, retirada do Instagram do Arkhe
Amo o texto da Cris ❤️
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Obrigada, Nano! Fico feliz!
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Il Matriciano é um italiano de verdade. Vamos com frequência. O Mar do Inferno sempre excelente. Duas indicações seguríssimas.
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