Será um dos mais discretos entre os chefes portugueses com maior currículo, mas a verdade é que o restaurante que chefia desde a abertura, há 11 anos, The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, num hotel de luxo com magnífica vista para o rio Douro e o Porto, já detém duas estrelas Michelin desde 2017 e é considerado um dos mais sólidos candidatos a alcançar uma terceira, feito nunca conseguido por um restaurante português. É o resultado de uma carreira gerida com inteligência e persistência, de alguém que soube tirar partido das oportunidades que surgiram na sua vida profissional
Nascido na cidade de Aveiro há 41 anos, numa família sem quaisquer ligações ao sector, Ricardo Costa explica como se “estreou” a restauração: “Era um miúdo muito agitado e o meu pai, para me acalmar, punha-me a trabalhar durante as férias de Verão. Foi assim que fui parar ao restaurante Cozinha do Rei, em Aveiro, por indicação de um colega do meu pai”. Os proprietários viram que levava jeito para a cozinha e sugeriram que fosse aprender a sério para uma escola de hotelaria, algo que ele nem sabia que existia, mas que acabou por ser a sua escolha, optando pela de Coimbra.
Depois de formado, viria o momento em que, por intermédio de Albano Lourenço, então chefe do restaurante do hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra, conheceria Joachim Koerper, chefe consultor da unidade (actualmente chefe do Eleven, em Lisboa), que tinha no Girasol, em Alicante, o seu principal restaurante, galardoado com duas estrelas Michelin, entre várias outras distinções. “Três dias depois de conhecer o chefe Koerper estava no Girasol e foi, de facto, o ponto de mudança na minha carreira. Fiquei lá ano e meio, entre 2002 e 2003, e percebi como eram as regras neste tipo de cozinha, as temperaturas controladas, os pontos de cozedura, a importâncias das bases técnicas…”, lembra o chefe do Yeatman.
Voltou para ser sub-chefe do hotel Sheraton, no Porto, chefiado por Jerónimo Ferreira e depois foi para Londres, para o restaurante português The Portal, experiência que estava a correr bem, mas a que os atentados de 2005 na capital inglesa, ocorridos mesmo perto da sua casa, vieram pôr termo. Uma decisão de regressar na qual também pesou a aproximação do nascimento da sua primeira filha, que queria que fosse em Portugal. Assim, em 2007, vai chefiar o Largo do Paço, no hotel Casa da Calçada, em Amarante, que tinha acabado de perder uma estrela Michelin com a saída do chefe José Cordeiro, que a tinha conquistado. Ricardo Costa recuperou a estrela em 2009 e manteve-a em 2010, até ir abrir o The Yeatman, onde actualmente é também responsável por toda a oferta gastronómica do hotel, incluindo o restaurante The Orangerie. É ele o entrevistado deste Menu de Interrogação, patrocinado pela cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.

Como tem sido no Yeatman este período após a reabertura, com mais clientes nacionais e menos turistas?
Ao início, o regresso dos clientes foi gradual, mas neste momento estamos já com níveis de reservas próximos dos anos anteriores ao contexto COVID-19. Estamos esgotados até ao final do mês e Setembro está bastante promissor nesse sentido. Como sabemos, as previsões são cada vez mais a curto prazo, mas estamos optimistas com este regresso ao trabalho. Temos recebido muitos clientes estrangeiros, sobretudo de turismo de proximidade – Espanha e França, mas também já sentimos o regresso dos norte-americanos. Interessante perceber que neste mês voltamos a receber muitos emigrantes, que têm como ritual vir ao The Yeatman todos os anos. É um sentimento bom, voltar a receber os clientes habituais, como um regresso à normalidade possível.

Duas estrelas Michelin, está bem assim, ou a terceira é um objectivo? Qual será o primeiro restaurante português a atingir esse feito?
Nós trabalhamos sempre com o objetivo de evoluir, de criar, de continuar a surpreender. São 11 anos de grande crescimento. Conquistámos as duas estrelas Michelin, um reconhecimento que nos orgulha muito, mas o nosso foco é sempre o de procurar melhorar e crescer, enquanto equipa e enquanto projecto. Essa é a nossa ambição. Se isso representar o reconhecimento da terceira estrela Michelin, tanto melhor. Quanto a qual será o primeiro três estrelas, não quero particularizar, mas parece-me que – entre os que actualmente têm duas – há três restaurantes que serão mais prováveis.
Aparenta ser um cozinheiro que gosta mais da acção na cozinha do que noutros palcos. Porém, quando surgiu a hipótese de entrar num programa de televisão, não perdeu a oportunidade. Como foi essa experiência? Tem vontade de repetir?
Foi uma experiência espectacular. Foi uma aprendizagem a todos os níveis. Nunca tinha tido contacto com o mundo da televisão e foi muito interessante perceber as dinâmicas, a forma como nos comportamos em frente a uma câmara, a interacção com as equipas de produção… Mas também foi muito interessante a interacção com profissionais da minha área, mas de diversos contextos. Gosto de partilhar conhecimento, mas também gosto de perceber outras formas de pensar e trabalhar e com isso também aprender. Revejo-me neste tipo de formatos e seria algo que poderia voltar a fazer.

Considera que ter quase sempre trabalhado em restaurantes de hotel foi uma limitação ou uma vantagem na sua carreira?
Para mim, é uma vantagem a vários níveis. Primeiro, porque sinto uma estrutura de suporte, em que todos trabalhamos em equipa com o mesmo objetivo. E isso dá-me a confiança e liberdade para me focar na criação, na gestão e formação das equipas, na relação com os fornecedores…
Mas também o facto de gerir toda a área de gastronomia do hotel, que não apenas o restaurante gastronómico, permite-me estar constantemente a pesquisar, a criar novos formatos, a trazer novidades. E isso está nas coisas mais simples, como pensar o pequeno-almoço ou as refeições internas da equipa. Trabalhamos para muitos públicos e isso obriga a estarmos em permanente adaptação e recriação.
O cliente tem sempre razão?
O cliente não quer ter razão. Ter razão significa cumprir ou não determinadas expectativas. O que nós procuramos fazer é superar expectativas, criando uma experiência que surpreenda, provoque…Trabalhamos para o inesperado, não para o esperado.

Qual foi o maior elogio que já fizeram à sua cozinha? E a pior crítica?
Essa pergunta é interessante porque é algo para o qual tento preparar muito bem a minha equipa. A capacidade de gerir emocionalmente o peso do elogio e o peso da crítica. É bom sentirmos o reconhecimento do elogio e aprendermos com as críticas, mas temos que ter a confiança e a serenidade de os absorver sem deixar que nos condicionem. Esta inteligência emocional é fundamental para mantermos o foco, motivação e estabilidade das equipas.
Que características mais valoriza em alguém que quer integrar a sua equipa?
Na sequência do que dizia, quando recrutamos, a nossa prioridade é perceber o perfil da pessoa, mais do que as competências técnicas. O carácter, a estrutura emocional, a vontade de aprender. A técnica aprende-se e estamos cá para evoluir todos juntos. O importante é sentir uma equipa forte e coesa.
Imagina-se a trabalhar fora de Portugal? Se sim, em que lugares?
Imaginar, não me imagino.Eu gosto de viver em Portugal e de ter a oportunidade de contribuir para valorizar a gastronomia portuguesa. Eu sinto que há muito para fazer no sentido de afirmar Portugal como destino gastronómico. O que não invalida de pensar ou sonhar levar este projeto para outros países, nomeadamente para as grandes capitais da gastronomia internacional, dando a conhecer a minha visão sobre a gastronomia nesses destinos.

Quem são os chefes de hoje que admira e os que vão dar cartas amanhã?
Tenho uma enorme admiração pelo chef Dieter Koschina. Melhor cozinheiro que já conheci, é um grande amigo, mas sobretudo uma figura de referência a nível pessoal e profissional.
Na nova geração, vejo muito talento. O João Oliveira, o Rui Silvestre, o Gil Fernandes… entre outros. Há um futuro promissor para a gastronomia portuguesa ao melhor nível.
E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?
Sardinhas assadas e pimentos a pingar na broa. E um bom vinho tinto (garrafa magnum, de preferência…)
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Por muito que gostasse que um Chef português fosse galardoado com uma (mais que) merecida terceira estrela Michelin, palpita-me que essa 1º terceira estrela Michelin vá para o Chef Austríaco Hans Neuner, do Restaurante Ocean.. e se calhar já este ano! Ponto positivo é que um restaurante em Portugal ganhará a máxima distinção do guia mais reconhecido do mundo e, por consequência, o país potenciar-se-á cada vez mais como destino gastronómico (que já o é), apesar de o Chef não ser lusitano
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