Esta terça-feira foi divulgada finalmente a lista do World 50 Best Restaurants 2021, depois de um ano de hiato devido à pandemia. Os resultados, onde se destacam o Noma como “melhor restaurante do mundo” e, no caso de Portugal, o Belcanto na 42ª posição (a mesma de 2019), já foram divulgados, pelo que vou fazer abaixo, essencialmente, uma análise a esta classificação que, goste-se ou não, continua a ser, a seguir ao Guia Michelin (que funciona em moldes diferentes), o evento mais importante e influente do mundo da restauração.
Começo por dizer que estive em várias cerimónias do W50Best, que acompanho de perto os prémios há mais de uma década e que devo ser das pessoas do meio em Portugal que mais tempo e palavras consumiu a descrever e compreender esta lista. Ainda assim, ontem, quando olhei para os resultados de rompante, comentei que achava ser esta a lista mais estranha de sempre. Comentário apressado? Talvez sim ou talvez não.
À partida, parecia-me inusitado ter dois restaurantes de Copenhaga nos dois primeiros lugares, bem como dois peruanos no top 10, ou um restaurante mais ou menos tradicional de grelhados argentino, o Don Julio, na 13ª posição, um lugar à frente do Mugaritz, que continua a ser, provavelmente, o restaurante mais experimental e arrojado do mundo – duas características que sempre foram valorizadas pelo júri dos prémios.
Na verdade, em termos gerais, os resultados não deixam de ser estranhos – por mais europeu que seja o meu ponto de vista. Porém, antes que alguém venha falar em manipulações eu diria que a classificação reflecte mais as opções tidas em termos de distribuição geográfica dos mil membros do júri (até mesmo mais do que a questão paritária do mesmo – hoje 50/50 entre homens e mulheres) e, sobretudo, nas condicionantes derivadas da pandemia. Neste último caso, é de assinalar que devido às restricções nas viagens internacionais, no ano passado a lista de 2021 foi criada a partir de uma combinação de votos dados em Janeiro de 2020 (que nunca foram publicados) e uma ‘actualização da votação’ que ocorreu em Março de 2021. Ou seja, cada eleitor teve a hipótese de actualizar a suas selecções de 2020, mas apenas com base em experiências tidas em restaurantes da sua própria região, reflectindo assim a crescente importância da gastronomia local.
Deste modo, talvez se explique a presença de mais um restaurante da América Latina no top 10 (num total de três – Votações em bloco?), bem como a subida dos dois restaurantes peruanos que já se encontravam entre os dez primeiros no ano passado, sendo que o Central, de Virgilio Martinez, há muito que faz parte dos restaurantes mais respeitados da lista.
Por outro lado, esta mistura de votos de um ano que se podia viajar com as de outro que tal não era possível, embora tenha trazido uma maior distribuição por blocos geográficos, não foi suficiente para abalar demasiado as coisas. Era mais do que previsível que o Noma, “agora” na versão 2.0., haveria voltar a ser Nº1 (é de relembrar que a organização decidiu retirar os antigos nº1 um da lista, relegando-os para o “Best of the Best” uma espécie de hall of fame, decisão que acabou por não incluir o Noma, por este ter mudado de localização e de conceito). Surpreendente, ou talvez não tão estranho aos mais atentos, foi o 2º lugar do Geranium, também de Copenhaga. O restaurante de cozinha “perfeita” do Bocuse d’Or e tri-estrelado Rasmus Kofoed tinha vindo a galopar nas tabelas anteriores (foi 5º, em 2019) e os esforços do restaurante, convidando meio mundo a propósito do 10º aniversário, não caíram em vão (diga-se, a propósito, que são muitos os restaurantes que fazem este tipo de convites. E não é de agora).
O 3º lugar do Asador Etxebarri (que manteve a posição do ano anterior) também parece normal, pelo efeito do evento em Bilbau num passado recente e por continuar a ser o preferido de muitos dos chefes de cozinha do mundo. Tal como não há nada de estranho no 5º lugar do Disfrutar, o “novo” restaurante querido do júri espanhol e não só.
Aliás, Espanha como destino de turismo gastronómico acabou por não ser muito afectada na lista (mesmo que não consiga arranjar explicação para a queda do Azurmendi, de 14º para 49º, quando na classificação anterior tinha tido a subida mais alta entre os 50 melhores). Ainda que algo ofuscada pelos lugares cimeiros dos restaurantes dinamarqueses, nuestros hermanos continuam a ser, a par dos EUA, o país com mais restaurantes no ranking: 6, sendo que dois deles são no top 10, enquanto o restaurante norte-americano mais bem classificado se encontra no 22º lugar.

Já um país que não se saiu lá muito bem na disputa foi a França. Com o Mirazur, nº1 de 2019, “relegado” para o “Best of the Best hall of fame” e o encerramento do Ducasse no Plaza Athénée, restaram os três restaurantes que já faziam parte da última lista. Só que tiveram uma queda acentuada: o Arpège de Alain Passard desceu de 8º para 23º, o Septime, de 15º para 24º, e o Alléno Paris au Pavillon Ledoyen, de 25º para 41º. Estranho? Hum… talvez. Um pouco (Efeito Brexit? Pirraça com o Guia Michelin?)
De destacar ainda a entrada directa para o 27º lugar do italiano Lido 84, logo para à 15ª posição; a subida de 41º lugar para o 10º do The Chairman, em Hong Kong; e as subidas do Diverxo, que faz parte pela primeira vez da lista (é 20º), Hisa Franko de Ana Ròs (em 21º, sendo o restaurante com uma chefe mulher mais bem classificado), do porteño Don Julio, de 34º para 13º (se alguém me souber dar uma explicação, sou todo ouvidos, e, já agora, como chegou no ano passado a nº1 da América Latina) e do paulistano A Casa do Porco, de Jefferson Rueda, um restaurante fantástico que trabalha o porco de uma forma muito singular, que passou de 39º para 17º.
Por último, não posso deixar de realçar a classificação do Belcanto, de José Avillez, que se manteve a 42ª posição que teve na lista anterior. Pode soar a ligeira desilusão, mas na verdade continua a ser um enorme feito, dadas circunstâncias já mencionadas e, também, pelo facto de Portugal ser constantemente penalizado por aparecer num bloco regional agregado a uma superpotência como Espanha – condição que dificilmente lhe permitirá ter um segundo restaurante na lista (e inclusive no top 100, o que é inacreditável, face a muitos restaurantes que se encontram na versão alargada da lista).

Mas…. e em que ficamos, será esta a lista do World 50 Best Restaurants mais estranha de sempre, ou vá lá, desde que a lista passou ter a relevância que tem?
Não e sim – depende como quisermos ver a garrafa (se meio cheia, ou meio vazia), ou da parte do Globo em que nos encontramos.
Rank 21 | Rank 20 | Restaurante, Cidade, País |
1 | 2 | Noma (Copenhaga, Dinamarca) |
2 | 5 | Geranium (Copenhaga, Dinamarca) |
3 | 3 | Asador Etxebarri (Atxondo, Espanha) |
4 | 6 | Central (Lima, Peru) |
5 | 9 | Disfrutar (Barcelona, Espanha) |
6 | 21 | Frantzén (Estocolmo, Suécia) |
7 | 10 | Maido (Lima, Peru) |
8 | 18 | Odette (Singapura) |
9 | 12 | Pujol (Cidade do México, México) |
10 | 41 | The Chairman (Hong Kong, China) |
11 | 11 | Den (Tóquio, Japão) |
12 | 17 | Steirereck (Viena, Áustria) |
13 | 34 | Don Julio (Buenos Aires, Argentina) |
14 | 7 | Mugaritz (San Sebastian, Espanha) |
15 | – | Lido 84 (Gardone Riviera, Itália) |
16 | 30 | Elkano (Getaria, Espanha) |
17 | 39 | A Casa do Porco (São Paulo, Brasil) |
18 | 29 | Piazza Duomo (Alba, Itália) |
19 | 22 | Narisawa (Tóquio, Japão) |
20 | – | Diverxo (Madrid, Espanha) |
21 | 38 | Hisa Franko (Kobarid, Eslovénia) |
22 | 23 | Cosme (Nova Iorque, EUA) |
23 | 8 | Arpège (Paris, França) |
24 | 15 | Septine (Paris, França) |
25 | 13 | White Rabbit (Moscovo, Rússia) |
26 | 31 | Le Calandre (Rubano, Itália) |
27 | 24 | Quintonil (Cidado do México, México) |
28 | 47 | Benu (São Francisco, EUA) |
29 | – | Reale (Itália) |
30 | 19 | Twins Garden (Moscovo, Rússia) |
31 | 40 | Restaurant Tim Raue (Berlim, Alemanha) |
32 | 27 | The Clove Club (Londres, Inglaterra) |
33 | 33 | Lyle’s (Londres, Inglaterra) |
34 | – | Burnt Ends (Singapura) |
35 | 48 | Ultraviolet by Paul Pairet (Shangai, China) |
36 | 43 | Hof Van Cleve (Kruishoutem, Bélgica) |
37 | – | Singlethread (Healdsburg, EUA) |
38 | 26 | Boragó (Santiago, Chile) |
39 | – | Florilège (Tóquio, Japão) |
40 | 45 | Suhring (Banguecoque, Tailândia) |
41 | 25 | Alléno Paris au Pavillon Ledoyen (Paris, França) |
42 | 42 | Belcanto, Lisboa, Portugal |
43 | – | Atomix (Nova Iorque, Nova Iorque) |
44 | – | Le Bernardin (Nova Iorque, EUA) |
45 | – | Nobelhart & Schmutzig (Berlim, Alemanha) |
46 | 49 | Leo (Bogotá, Colômbia) |
47 | – | Maaemo (Oslo, Noruega) |
48 | 35 | Atelier Crenn (São Francisco, EUA) |
49 | 14 | Azurmendi (País Basco, Espanha) |
50 | – | Wolfgat (Paternoster, África do Sul) |
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Concordo! Os critérios geram essas e outras distorções.
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