Opinião

Na luta pela relevância de outros tempos o Madrid Fusión quer ir “além do Produto”

É notório, para quem acompanha as andanças do mundo da alta cozinha, que o período áureo dos congressos de cozinha que ditavam tendências ficou bem lá atrás. 

Nessa época dourada os grandes chefes do momento guardavam as novas técnicas, os novos pratos e outras novidades (aberturas, encerramentos) para os dois principais congressos, Madrid Fusión, e San Sebastian Gastronomika, em apresentações notáveis em que recorriam quase sempre a recursos multimédia de grande efeito. Essas “ponências” eram depois replicadas ou adaptadas para outros congressos de menor impacto a nível local e internacional. Foi assim durante anos até o modelo e os próprios chefes se esgotarem. 

A saída de cena do El Bulli, o declínio da cozinha molecular e da cozinha de vanguarda, os novos negócios (aberturas de segundos, terceiros e quartos restaurantes), as redes sociais, os programas de televisão, a globalização dos congressos e afins – com os chefes em tournée pelo mundo e cada vez menos nos restaurantes – foram alguns dos factores que contribuíram para esse declínio. Afinal, em algum momento o ritmo teria de diminuir, não dava para apresentar novidades a cada temporada. Além disso, se há algo de novo para mostrar porquê esperar pelo próximo congresso quando se tem um milhão de seguidores à distância de um clique no Instagram?

Houve ainda outro factor que teve influência nesse declínio. A passagem do centro das atenções do eixo Madrid/San Sebastián para Copenhaga, no seguimento do movimento da cozinha “naturalista”, mais focada no produto e no produtor e menos na técnica. A partir desse momento, viria a vingar o modelo do MAD, em Copenhaga, organizado por Rene Redzepi, numa onda mais ao género TED Talks meets Burning Man num estilo bem diferente do modelo vigente até então. 

Porém, o mundo não é preto ou branco e dizer que o modelo clássico de congresso de cozinha morreu, como muitos ditaram, parece manifestamente exagerado, como diria Mark Twain. 

E a verdade é que, ainda que alguns destes eventos tenham definhado, congressos como o Madrid Fusión ou o Gastronomika continuaram a realizar-se todos os anos (mesmo durante a pandemia, ainda que virtualmente) e têm procurado não perder a relevância, até porque há muito que se tornaram um grande negócio e há todo um mundo ligado à restauração mais mainstream que o alimenta, independentemente de haver ou não grandes novidades na Fórmula 1 da alta cozinha.

Por outro lado, também seria injusto dizer que que não tem havido um esforço de organizadores e cozinheiros para mostrar algo novo ou marcar tendências. Sim, já não se fica à espera da última novidade de Ferran Adrià, de como vai ser a próxima temporada do Celler de Can Roca, ou da última loucura saída da cabeça de Andoni Aduriz. Porém, em menor escala, outros actores surgiram e são recebidos com entusiasmo, como tem sido o caso, Ángel Léon, do Aponinete, nos últimos tempos, por exemplo,. 

Este ano, o Madrid Fusión faz 20 anos e resolveu colocar a carne toda no assador, aproveitando uma nova apetência pós pandemia para o retorno aos eventos presenciais. 

Primeiro, dá o tom, apresentando como tema: “Mais além do produto”, que é como quem diz: meninos e meninas, tudo bem, o produto e o produtor e tal, mas é altura de nos voltarmos a centrar nas técnicas de cozinha e no ofício de cozinhar – aliás, o programa refere que o congresso “irá rever técnicas culinárias ancestrais, tradicionais e futuras, desde assar no fogo até cozinhar no microondas ou o uso de ultra-som”.

Em segundo lugar, marca uma posição. Afinal se o Madrid Fusión foi o cenário onde se deram a conhecer para lá das suas fronteiras, chefes como Gastón AcurioRene Redzepi e Alex Atala, onde David Muñoz foi eleito “cozinheiro revelação” e Massimo Bottura consagrou a sua cozinha que deslumbrava Itália, está-se mesmo a ver o esforço que deve ter sido para os trazer. Traduzindo para miúdos deve ter sido, mais ou menos, tipo: amigos, ponham lá esta data na vossa agenda e toca a zarpar para Madrid. 

Estes cinco nomes formam apenas uma parte da longa lista de chefes de cozinha confirmados para esta edição do 20º aniversário do Madrid Fusión, que inclui uma miríade de cozinheiros espanhóis de renome, de Quique Dacosta a Joan Roca, passando por Andóni Aduriz – que dialogará com Redzepi sobre natureza e filosofia de cozinha, “num encontro sem precedentes”, afiança a organização. Henrique Sá Pessoa será o nosso homem em Madrid, onde estará também em destaque uma brigada de chefes dinamarqueses, encabeçada, como já referimos, pelo chef do Noma e que inclui ainda Eric Vildgaard, do Jordnaer**, eleito o melhor restaurante nórdico en 2021e Rasmus Munk, do Alchemist**, um dos restaurantes mais falados do momento. 

Todavia, quem conhece o director do evento José Carlos Capel, sabe que ele continua a viajar por Espanha e pelo mundo fora em busca de novos nomes que se vão destacando, aqui e ali, e a quem reserva uma série de horários para que possam exibir o seu trabalho no Madrid Fusión. Deste modo, o programa inclui chefes singulares, com projetos únicos, como Félix Jiménez do (Kiro Sushi*, Logroño,) Luis Alberto Lera e a sua cozinha selvagem ou a nova cozinha de peixe de Rafa Zafra (Estimar, Barcelona/Madrid/Sevilla) e José Manuel Viejo (La Huertona, Ribadesella). De fora, nos emergentes, a colombiana Denise Monroy, chef Revelação do Bogotá Madrid Fusión, chegará para apresentar um dos mais promissores projectos de culinária vegetal e a italiana Antonia Klugmann (L’Argine a Vencò*, Dolegna del Collio) irá trazer a identidade sustentável do seu projeto sem resíduos, em Friuli, inspirado na paisagem e no multiculturalismo.

O congresso madrileno apresenta ainda o segmento dedicado à pastelaria Pastry Fusión e outro dedicado aos vinhos, o MF The Wine Edition. Para o primeiro estão previstas as presenças de Jessica Préalpato, eleita a melhor pasteleira deFrança, Paco TorreblancaAlbert Adrià e Jordi Butrón; enquanto no cartaz do segundo constam nomes como Pedro Ballesteros MW, James Spreadbury (Noma***), Mohammed Benadballah (Etxebarri*), Almudena Alberca (MW), Peter Sisseck (Dominio de Pingus), Ferran Centelles (ex Sommelier elBulli), ou María José López de Heredia (Viña Tondonia).

Não se espera de uma instituição com 20 anos com peso do Madrid Fusión algum tipo de revolução. Resta saber se ainda terá capacidades para voltar a marcar tendências e se os participantes regressam com ganas de ir a jogo e comer a relva.

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Informações úteis: o Madrid Fusión se realiza este ano de 28 a 30 de Março e tem ainda como atractivo a diminuição em cerca de 40% no preço no bilhete para os 3 dias: de 400€ para 250€. Há ainda a possibilidade de assistir online. Neste caso o preço mantém-se o mesmo:100€. Os bilhetes podem ser adquiridos no site, mediante inscrição – aqui

Co-autor do Mesa Marcada. Escreve sobre gastronomia no Público, Revista de Vinhos (crítica gastronómica) e em títulos internacionais como Cook Inc (Itália), Eater.com (EUA) e Gula (Brasil). É autor do livro “Lisboa à Mesa - Guia onde Comer. Onde Comprar”, com edições em português, inglês e espanhol (na Planeta).

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