É já hoje, 1 de Julho, que entra em cena uma vaca arouquesa, de 14 anos, no início de mais uma Quinzena das Raças Autóctones que o restaurante Sala de Corte vem dedicando aos bovinos nacionais. Fui convidado para a despedida de uma barrosã de 21 anos, de cujos 680 kg só restava um magnífico chuletón– é desta maneira, à espanhola, que é por lá designado o que creio corresponder ao nosso “costeletão”, sim, o costeletão que se servia nas tascas do Bairro Alto da minha juventude, não sei se ainda é assim – dividido generosamente entre quatro comensais. Segundo o chefe Luís Gaspar, o enorme êxito desta extinta barrosã foi igual ao de todos os bovinos que já estrelaram estas quinzenas, fossem eles de raça maronesa, açoriana do Ramo Grande, cachena, maronesa, alentejana, minhota… O que sempre interessou foi selecionar animais com vidas longas e bem alimentadas, tarefa que recai sobre um “olheiro” que perscruta os campos deste país em busca da excelência bovina.
Luís Gaspar, de 31 anos, chefia a casa desde a abertura, ocorrida em 2015, nas traseiras do Mercado da Ribeira, mudando-se para bem perto, em 2018, para a Praça Dom Luís I, actual morada, onde dispõe de um total de 120 lugares, incluindo uma pequena esplanada ao ar livre e um jardim de Inverno na parte de trás. A verdade é que a Sala de Corte, integrado no grupo Plateform, tem sempre muita procura, sobretudo ao jantar. Segundo o chefe, no dia anterior à minha visita, uma terça-feira, tinham servido cerca de 70 almoços e quase 150 jantares. Na quarta-feira em que lá almocei, calculo que tenham sido, pelo menos, outros 70 clientes, com predominância de portugueses. “Antes da pandemia, tínhamos cerca de 70% de turistas, agora serão cerca de 40%, mas creio que a tendência é para aumentar”, diz o chefe.
O “chuletón” é um dos dois cortes em que as carnes autóctones são servidas
Estes turistas, desejosos de conhecer as nossas carnes bovinas, são dos grandes responsáveis pela rapidez com que as vacas autóctones desaparecem durante as quinzenas. Mas atenção, na Sala de Corte utilizam apenas o vão, que depois é apresentado aos clientes no já mencionado chuletón e também num outro corte, denominado “New York Steak”, que não faço ideia do que seja. As restantes partes do animal da quinzena seguem para outros restaurantes do grupo, com destaque para os da cadeia de hambúrgueres Honorato, e também irão para o Pica-Pau, novo restaurante da Plateform que na próxima semana abrirá onde antes estava o Pesca (Rua da Escola Politécnica, 27, ao Príncipe Real), encerrado durante a pandemia, agora especializado em cozinha tradicional portuguesa, tendo Samuel Duarte como chefe, vindo da sub-chefia da Sala de Corte.
Para quem, como eu, não consome automaticamente carne de vaca – até porque em Portugal ela não costuma ser famosa -, deixando-a para quando vale a pena, um restaurante como a Sala de Corte é uma óptima opção, não só pela sabedoria com que Luís Gaspar, que foi Chefe Cozinheiro do Ano, em 2017, e a sua equipa tratam do assunto, mas também porque se nota o cuidado que há nos acompanhamentos, tantas vezes maltratados em casas congéneres. No almoço que lá tive, além da felicidade do ponto e do tempero da carne, brilharam as batatas fritas em palito (chega de chips!), um delicioso Braz de espargos e cogumelos e, principalmente, uma novidade da casa: um arroz de forno de enchidos do fumeiro de Ponte de Lima, que recorreu ao “agulha”, em vez do carolino, o que me parece muito mais adequado para este tipo de prato. De destacar também os molhos, todos eles bem feitos e variados, combatendo qualquer possibilidade de monotonia cárnica. Havia béarnaise, cogumelos, chimichurri e um, fantástico, de manteiga “café de Paris”, que me esqueci de perguntar como era feito.
O chefe Luís Gaspar
Outra novidade da casa é um “surf & turf” à portuguesa, em que o tradicional lavagante norte-americano é substituído por carabineiro algarvio, conjugando-o com as diversas carnes. Veio assim para a minha mesa, com o marisco montado no costeletão. Não gostei especialmente, não me pareceu um casamento feliz, mas devo destacar o óptimo molho obtido pela prensagem (em aparelho tornado célebre pelos patos parisienses do Tour D’Argent) das cabeças dos carabineiros.
Os cortes das quinzenas autóctones são maturados localmente, entre 45 e 90 dias, e os preços variam conforme o que animal. Mas o restaurante apresenta outros sete cortes de várias origens, quase sempre saídos do Josper, com preços que vão dos 25€ por 200 gr de vazia aos 89€/kg de chuletón, passando pelos 32€ por 200 gr de lombo ou por pregos de 120 gr de vazia (18€), de entrecôte (20€) ou de lombo (22€), servidos com batatas fritas. Há ainda diversas entradas, sendo que uma das novidades é foie gras, brioche, maçã caramelizada e vinho Madeira (22€), que não provei. Os croquetes de novilho com mostarda de Dijon (4€), esses sim foram provados. Estavam bons de sabor, mas careciam daquela textura “granulada” do recheio, o qual, tal como acontece em toda a parte onde dispensaram os velhos moinhos de carne, estava em “pasta”.
Muitas das carnes são grelhadas ou assadas no Josper
Uma palavra final para as sobremesas provadas, uma já clássica da casa, Pavlova de frutos vermelhos com sorbet de framboesa e lima (8€), com um merengue leve, que se desfazia – em vez de se pegar aos dentes, como se vê tanto por aí – sem excessos de açúcar, com muito boa fruta, e uma novidade, a tarte de queijo basca (8€), cada vez mais popular na nossa restauração, que me agradou bastante. Neste momento, tal como em muitos restaurantes lisboetas, a Sala de Corte está a celebrar as cerejas do Fundão, presentes em diversos pratos salgados e doces, bem como em cocktails.
É sabido que Portugal não é conhecido pela qualidade das suas carnes bovinas, mas também é verdade é que há muito a desenvolver nesta matéria (basta ver que quase todos os cortes exibem nomes estrangeiros), não só pelas características das raças autóctones, mas também pela exploração da qualidade de cada animal e pelo tratamento que lhes é dado. A Sala de Corte, onde tudo isto é levado em conta, onde não se exagera nas maturações, onde o êxito comercial parece não influir no brio dos cozinheiros, onde os preços são correctos para a qualidade apresentada, incluindo no serviço de vinhos, será dos melhores lugares para apreciar a evolução que poderemos fazer nesta matéria.
É já hoje, 1 de Julho, que entra em cena uma vaca arouquesa, de 14 anos, no início de mais uma Quinzena das Raças Autóctones que o restaurante Sala de Corte vem dedicando aos bovinos nacionais. Fui convidado para a despedida de uma barrosã de 21 anos, de cujos 680 kg só restava um magnífico chuletón– é desta maneira, à espanhola, que é por lá designado o que creio corresponder ao nosso “costeletão”, sim, o costeletão que se servia nas tascas do Bairro Alto da minha juventude, não sei se ainda é assim – dividido generosamente entre quatro comensais. Segundo o chefe Luís Gaspar, o enorme êxito desta extinta barrosã foi igual ao de todos os bovinos que já estrelaram estas quinzenas, fossem eles de raça maronesa, açoriana do Ramo Grande, cachena, maronesa, alentejana, minhota… O que sempre interessou foi selecionar animais com vidas longas e bem alimentadas, tarefa que recai sobre um “olheiro” que perscruta os campos deste país em busca da excelência bovina.
Luís Gaspar, de 31 anos, chefia a casa desde a abertura, ocorrida em 2015, nas traseiras do Mercado da Ribeira, mudando-se para bem perto, em 2018, para a Praça Dom Luís I, actual morada, onde dispõe de um total de 120 lugares, incluindo uma pequena esplanada ao ar livre e um jardim de Inverno na parte de trás. A verdade é que a Sala de Corte, integrado no grupo Plateform, tem sempre muita procura, sobretudo ao jantar. Segundo o chefe, no dia anterior à minha visita, uma terça-feira, tinham servido cerca de 70 almoços e quase 150 jantares. Na quarta-feira em que lá almocei, calculo que tenham sido, pelo menos, outros 70 clientes, com predominância de portugueses. “Antes da pandemia, tínhamos cerca de 70% de turistas, agora serão cerca de 40%, mas creio que a tendência é para aumentar”, diz o chefe.
Estes turistas, desejosos de conhecer as nossas carnes bovinas, são dos grandes responsáveis pela rapidez com que as vacas autóctones desaparecem durante as quinzenas. Mas atenção, na Sala de Corte utilizam apenas o vão, que depois é apresentado aos clientes no já mencionado chuletón e também num outro corte, denominado “New York Steak”, que não faço ideia do que seja. As restantes partes do animal da quinzena seguem para outros restaurantes do grupo, com destaque para os da cadeia de hambúrgueres Honorato, e também irão para o Pica-Pau, novo restaurante da Plateform que na próxima semana abrirá onde antes estava o Pesca (Rua da Escola Politécnica, 27, ao Príncipe Real), encerrado durante a pandemia, agora especializado em cozinha tradicional portuguesa, tendo Samuel Duarte como chefe, vindo da sub-chefia da Sala de Corte.
Para quem, como eu, não consome automaticamente carne de vaca – até porque em Portugal ela não costuma ser famosa -, deixando-a para quando vale a pena, um restaurante como a Sala de Corte é uma óptima opção, não só pela sabedoria com que Luís Gaspar, que foi Chefe Cozinheiro do Ano, em 2017, e a sua equipa tratam do assunto, mas também porque se nota o cuidado que há nos acompanhamentos, tantas vezes maltratados em casas congéneres. No almoço que lá tive, além da felicidade do ponto e do tempero da carne, brilharam as batatas fritas em palito (chega de chips!), um delicioso Braz de espargos e cogumelos e, principalmente, uma novidade da casa: um arroz de forno de enchidos do fumeiro de Ponte de Lima, que recorreu ao “agulha”, em vez do carolino, o que me parece muito mais adequado para este tipo de prato. De destacar também os molhos, todos eles bem feitos e variados, combatendo qualquer possibilidade de monotonia cárnica. Havia béarnaise, cogumelos, chimichurri e um, fantástico, de manteiga “café de Paris”, que me esqueci de perguntar como era feito.
Outra novidade da casa é um “surf & turf” à portuguesa, em que o tradicional lavagante norte-americano é substituído por carabineiro algarvio, conjugando-o com as diversas carnes. Veio assim para a minha mesa, com o marisco montado no costeletão. Não gostei especialmente, não me pareceu um casamento feliz, mas devo destacar o óptimo molho obtido pela prensagem (em aparelho tornado célebre pelos patos parisienses do Tour D’Argent) das cabeças dos carabineiros.
Os cortes das quinzenas autóctones são maturados localmente, entre 45 e 90 dias, e os preços variam conforme o que animal. Mas o restaurante apresenta outros sete cortes de várias origens, quase sempre saídos do Josper, com preços que vão dos 25€ por 200 gr de vazia aos 89€/kg de chuletón, passando pelos 32€ por 200 gr de lombo ou por pregos de 120 gr de vazia (18€), de entrecôte (20€) ou de lombo (22€), servidos com batatas fritas. Há ainda diversas entradas, sendo que uma das novidades é foie gras, brioche, maçã caramelizada e vinho Madeira (22€), que não provei. Os croquetes de novilho com mostarda de Dijon (4€), esses sim foram provados. Estavam bons de sabor, mas careciam daquela textura “granulada” do recheio, o qual, tal como acontece em toda a parte onde dispensaram os velhos moinhos de carne, estava em “pasta”.
Uma palavra final para as sobremesas provadas, uma já clássica da casa, Pavlova de frutos vermelhos com sorbet de framboesa e lima (8€), com um merengue leve, que se desfazia – em vez de se pegar aos dentes, como se vê tanto por aí – sem excessos de açúcar, com muito boa fruta, e uma novidade, a tarte de queijo basca (8€), cada vez mais popular na nossa restauração, que me agradou bastante. Neste momento, tal como em muitos restaurantes lisboetas, a Sala de Corte está a celebrar as cerejas do Fundão, presentes em diversos pratos salgados e doces, bem como em cocktails.
É sabido que Portugal não é conhecido pela qualidade das suas carnes bovinas, mas também é verdade é que há muito a desenvolver nesta matéria (basta ver que quase todos os cortes exibem nomes estrangeiros), não só pelas características das raças autóctones, mas também pela exploração da qualidade de cada animal e pelo tratamento que lhes é dado. A Sala de Corte, onde tudo isto é levado em conta, onde não se exagera nas maturações, onde o êxito comercial parece não influir no brio dos cozinheiros, onde os preços são correctos para a qualidade apresentada, incluindo no serviço de vinhos, será dos melhores lugares para apreciar a evolução que poderemos fazer nesta matéria.
Sala de Corte
Morada: Praça D. Luís, 7, Lisboa
Tel. 213 460 030
E-mail: saladecorte@saladecorte.pt
Web: www.saladecorte.pt
Horários: Aberto todos os dias ao almoço e jantar. Aos fins de semana abre também ao longo da tarde
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