Restaurantes

Uma Chamuçaria para variar de sabores e alegrar a mesa

Nestes tempos de restaurantes fechados, que esperemos que não durem muito mais, têm sido eles que têm vindo até nós, proporcionando a variedade gastronómica que tanta falta nos faz. Desta vez, em minha casa, a quebra da rotina veio de longe, veio da Índia, mas através da cozinha de um novo projecto sediado num local ligeiramente mais próximo, em Telheiras, Lisboa. Trata-se de A Chamuçaria, a qual, como o nome indica, está especializada nestes nossos bem conhecidos “salgados”, mas que quer através da variedade de recheios quer pelo exuberante aspecto colorido (conseguido através de corantes naturais, sem intervenção no sabor) se diferencia para muito melhor do habitual. Resultado tanto mais surpreendente quando se fica a saber que o projecto está ancorado numa cozinha familiar, de pessoas que nunca tinham estado no sector.

Sahid Merali, de 41 anos, trabalhava na organização de eventos quando no início do ano passado, pouco antes da pandemia ser declarada, decidiu ocupar um pequeno espaço em Telheiras com um conceito de restauração que considerava não existir em Portugal. “Já tínhamos começado as obras e não havia como voltar atrás”, conta o responsável pelo novo projecto. Sabendo que a exiguidade do espaço jamais teria na ocupação da única mesa existente, que dá para umas oito pessoas, a sua razão de existir, o take-away seria a opção natural. Com a pandemia, tal tornou-se ainda mais evidente e em Julho abriram com essa vertente bem explicitada não só nas chamuças, mas em várias outras opções de cozinha indiana, também disponíveis congeladas, de fácil execução caseira.

Já nascido em Portugal, Sahid Merali é filho de pais moçambicanos e neto de indianos da província de Gujarat. “Tentei trazer para A Chamuçaria a qualidade e as características da cozinha que se faz na minha família, mas também acrescentei alguma criatividade, que é algo que não dispenso nos projectos em que me envolvo”, explica. Para conseguir essa mistura entre tradição e criatividade, ele pediu à sua mãe Rosy Daia para lhe dar assistência na parte culinária e foi com ela que desenvolveu não só as chamuças de sabores mais habituais, mas também outras de recheios inesperados. Assim, a par das mais vistas de frango, frango picante, batata picante ou vegetais, há também de camarão, choco e lulas, peixe frito, cabrito ou lentilhas amarelas.

Sahid Merali, o responsável pelo novo projecto

Provei todas as nove, cada uma com a sua cor para facilitar a distinção entre elas e alegrar a mesa. Fiquei muito agradavelmente surpreendido com a leveza da massa e a fritura “seca” de óleo, o que deixa sobressair os sabores dos recheios, algo que raramente acontece nas chamuças que frequentemente encontramos nos restaurantes e cafés que as apresentam por cá. Cumpri também uma instrução que a família de Sahid Merali prescreve e que se revelou particularmente acertada: espremer umas gotas de limão nestas frituras. “A massa é apenas farinha de trigo e água e, de facto, deixamos escorrer bem o óleo antes de servir”, diz o responsável pela Chamuçaria. “Não há grande diferença nos ingredientes, diria que o segredo é a forma como trabalhamos. E é tudo feito na hora, seja quando as preparamos para a entrega ao domicílio seja quando as vêm cá buscar”.

Outra ideia que A Chamuçaria quer trazer é a de tornar as chamuças protagonistas de uma refeição – e não apenas uma entrada para pratos principais – , podendo ser acompanhadas pelo tradicional arroz basmati e diversos molhos. Foi assim que as experimentei e mais uma vez fiquei muito bem impressionado com a qualidade do arroz (“é um arroz normal, do que se encontra à venda em Portugal”, garantiu-me Sahid Merali) e muitíssimo com os três molhos de lentilhas amarelas, caril e leite de côco. O primeiro, que leva também caril, despareceu praticamente ao jantar e pouco sobrou, apesar na generosidade das doses. O de leite de côco serviu-me para no dia seguinte enriquecer uns chocos guisados com batatas e o de caril para uns camarões com arroz.

Uma entrega ao domicílio bem colorida

O que também durou para os dias seguintes foram umas tiras fritas, salgadas e coloridas, denominadas kurkuriya, obtidas da sobras da massa das chamuças, um aperitivo que, segundo Sahid Merali, é comum nas casas onde elas são elaboradas de raiz. E ainda uns chips de batata doce muito agradáveis. Para o final, outra inovação, três chamuças doces, com recheio de chocolate negro picante, de tarte de maçã e de creme, muito apropriadas para os gulosos de sobremesas, o que não é bem o meu caso. Fiquei cheio de vontade de provar os outros pratos d’A Chamuçaria, nomeadamente os vários caris (de camarão, frango, vegetais lentilhas verdes, cabrito) e os biryani – que, sendo viciado em arroz, costumo apreciar de modo algo glutão -, que vão pelos mesmos sabores e ainda incluem um com atum de conserva, que me despertou a curiosidade. Estão também disponíveis em “congelados”, numa óptima opção para se ter à mão em casa.

Sahid Merali está razoavelmente satisfeito com a receptividade que as suas chamuças coloridas têm conseguido, embora não esconda que ainda não se habituou à irregularidade que muitas vezes afecta os negócios da restauração. “Temos semanas óptimas e depois, sem se perceber bem porquê, vem uma mais fraca. Há sextas-feiras em que vendemos quase tudo, outras que nem por isso”, declara. “Mas não me posso queixar, tanto mais que tivemos que aprender muito sobre como funciona um negócio de restauração, já temos muitos clientes fiéis, que dão valor à diferença que procuramos apresentar, e creio que há potencial para crescer”.

 O objectivo agora é de consolidar esta oferta e depois partir para a expansão com novas unidades, sendo que actualmente já cobrem a Grande Lisboa e fazem entregas de congelados em todo o país. O espaço dispõe ainda de uma pequena mercearia com produtos de cozinha indiana e está à espera do licenciamento para uma esplanada, mas continuará a apostar no take-away mesmo depois da autorização para reabrir. Os preços são também um bom argumento para quem quiser trazer estes sabores diferentes para casa, com cada chamuça a custar 1,75 euros, mas com muitas opções económicas, como uma caixa de seis chamuças salgadas a custar 9,5 euros, e os caris e biryani, quentes ou congelados, a variarem entre os 10,5 e 13,5 euros. É ver aqui e encomendar.

O espaço dispõe de uma pequena mercearia

A Chamuçaria

R. Prof. Carlos Teixeira, 7 A, Lisboa

Tel. 211 920 777 ou 923 398 021

E-mail: info@achamucaria.pt

www.achamucaria.pt

Fecha aos domingos

Nota: Fotografias de divulgação, salvo a da entrega ao domicílio, de Cristina Gomes

Nasceu em Lisboa em 1963. Licenciou-se em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa e trabalhou em diversos jornais (Semanário, Diário Popular e Diário de Lisboa) e, depois, na área de comunicação empresarial. Em 1997, começou a colaborar com a revista “Fortuna” na área de gastronomia e vinhos. Em 1999, criou a página “Boa Vida” para o “Diário de Notícias”, que coordenou até Janeiro de 2009, com algumas interrupções. Entre 2007 e 2019, foi coordenador do Projecto Gastronomia da Associação de Turismo de Lisboa e, nesse âmbito, director do festival gastronómico Peixe em Lisboa, continuando a escrever artigos sobre gastronomia e restaurantes em várias publicações.

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