Depois de um período pandémico (demasiado) longo, com altos e baixos, fechos e reaberturas e muita navegação à vista, os restaurantes voltaram a poder abrir, num processo lento, progressivo e cheio de regras. Se tudo correr bem e não houver novos percalços, pode ser que seja o regresso à normalidade, ou a uma certa normalidade. Nesse sentido, em vez de irmos atrás de planos e estratégias para os novos tempos, como fizemos no passado, fomos em busca de algo mais prosaico, da satisfação hedonista. Basicamente, quisemos saber junto de um grupo de profissionais do meio gastronómico e vínico, qual o prato que mais anseiam voltar a comer num restaurante.
Pelos testemunhos, parece que os desejos andam muito pelos mariscos e peixes de confeção simples, em lugares mais populares ou tradicionais, à beira-mar ou na cidade. “Vou querer comer um peixegrelhado ou um polvo à lagareiro num dos restaurantes de grelhados tradicionais de Matosinhos, tipo o Salta o Muro, revela-nos a Aurora Goy. Pode até acontecer que a chef do Apego (Porto) encontre Rui Paula na mesma rua a caminho do Valentim, onde o chef nortenho conta ir comer “umas lulinhas e o peixe que o Valentim aconselhar”. Tudo feito, “e bem feito, no carvão – que transmite um sabor inigualável e carregado de memória”. Com desejos de peixe está igualmente Nádia Desidério, escançã do Belcanto (Lisboa), que escolhe um cantaril, no Evaristo, próximo de Albufeira, um dos seus “peixes de eleição, de sabor suave e textura incrível”. Também pelo Sul Paulo Amado, das Edições do Gosto, anseia por umas ovas de choco no Lagar Mar, em Olhão. A razão? “os cheiros e as gentes, o sotaque da minha terra e as memórias de tantas vezes que já comi aquele prato”.
Continuando junto ao mar, Beatriz Machado, agora na Niepoort – onde é responsável da divisão de Marketing e Turismo – espera voltar às “ostras, ao caril verde, lagosta, mero e mexilhão” da Casa Mateus (Sesimbra) e recuperar as memórias das férias e dos “jantares sem horas, depois de sair da praia”. Renato Cunha do Ferrugem (Portela, Famalicão) também deseja muito partir. No seu caso, em direcção à Ilha Terceira, Açores, para se deleitar com as cracas e cavacos do Beira Mar, em São Mateus, de onde guarda a memória de uma “magistral refeição” após um périplo de aventuras pelo arquipélago, “de mochila às costas, com uma violenta subida ao Pico”.
Cracas do Beira Mar, na Ilha Terceira, Açores
Cervejaria Ramiro, Lisboa (Foto: Paulo Barata)
Casa Mateus, Sesimbra
Amêijoas à Bulhão Pato, no Evaristo, na Praia do Evaristo (Albufeira)
Restaurante Valentim, Matosinhos
Atum rabicho, arroz carolino do Sado e algas, no Prado (Lisboa)
Carabineiro do Feitoria (Lisboa)
Também Daniel Silva, responsável pela sala e vinhos do Essencial (Lisboa), tem desejos por galgar milhas (quem não tem?) e atirar-se a uma chuleta de vaca, no Asador Etxebarri (País Basco). Porém, enquanto espera a abertura de fronteiras com Espanha, vai voltar ao Prado, o seu restaurante de eleição, em Lisboa, para comer o atum rabilho, arroz carolino do Sado & algas, “um dos pratos que mais me marcou”.
“Curiosamente, um dos restaurantes que mais tenho pensado nos últimos tempos é a cervejaria Ramiro. Não imaginam como tenho vontade de me ‘afogar’ naquelas mariscadas que o Pedro nos põe na mesa e, para terminar, aquele magnífico prego no pão com lombo de altíssima qualidade, como tudo o que aquele restaurante tem!”. Quem o afirma é o chefLeonel Pereira que depois de anos à frente do São Gabriel (onde ganhou uma estrela Michelin e que entretanto encerrou), comanda agora o Checkin, em Faro, local que mantém a sua marca de autor, porém num registo mais informal. O Ramiro, onde aprecia “o conforto, a simplicidade e o produto”
é também o local de eleição para uma primeira incursão fora de casa de Carlos de Albuquerque Teixeira, onde espera ter um frente a frente com “uma mariscada e o prego de ‘sobremesa’ ”. Bem que o chefe de cozinha do restaurante da Herdade do Esporão, em Monsaraz, pode combinar a visita com o brasileiro Pedro Ramos, escanção do Alma – Henrique Sá Pessoa (Lisboa), que declara ter saudades“do camarão tigre grelhado com manteiga e alho” deste lugar. “Foi um dos primeiros pratos/restaurantes que comi quando cheguei a Portugal. Não é algo que costumo fazer em casa e tenho saudades de toda a atmosfera do sítio, que sempre me trouxe boas lembranças”, afirma. Ainda sob o domínio do mar, Gabriela Marques, escançã do Cura e do Four Seasons Ritz Hotel Lisboa, menciona o carabineiro, um dos produtos mais sublimes da nossa costa, e escolhe um dos lugares do país onde ele é mais bem tratado, o Feitoria, de João Rodrigues, em Lisboa. “É confeccionado sempre no ponto mais-que-perfeito. Sabor autêntico, delicado, textura certa, um prato que chama os dias mais quentes que se avizinham”.
Aurora Goy, chefe do Apego (Porto)
Rui Paula, chefe da Casa de Chá da Boa Nova (Leça)
Nádia Desidério, escançã do Belcanto (Lisboa)
Paulo Amado, Edições do Gosto
Beatriz Machado, responsável da divisão de marketing e Turismo da Niepoort
Renato Cunha, Ferrugem (Famalicão)
Daniel Silva, escanção do Essencial (Lisboa)
Leonel Pereira, chefe do Checkin (Faro)
Carlos de Albuquerque Teixeira, chefe do restaurante da Herdade do Esporão (Monsaraz)
Pedro Ramos, escanção do Alma (Lisboa)
Gabriela Marques, escançã do Cura e Ritz Four Seasons Lisboa
Vítor Claro, ex-chefe de cozinha e produtor de vinhos
Rodrigo Castelo, chefe da Taberna Ó Balcão (Santarém)
José Avillez, chefe do Belcanto (Lisboa)
Óscar Geadas, chefe do G Pousada
Mas nem só por peixe e mariscos vivem os desejos dos nossos convidados. Vítor Claro, ex-chefe de cozinha e hoje produtor de vinhos, fez pausa na poda das suas vinhas velhas de Portalegre, que dão origem aos seus vinhos Dominó, para mencionar a açorda de fraca no forno, no Tombalobos, do seu amigo e vizinho José Júlio Vintém. “Por mais que tente não consigo fazer nada parecido em casa”, desabafa. Por sua vez,
Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, em Santarém, conta dar um salto a Almeirim para comer uma sopa da pedra no Toucinho, onde destaca o sabor, mas também a forma como é recebido. “Sinto-me em casa e traz-me muitas memórias”.
Mas há quem não anseie por um prato de memória ou de conforto. É o caso de Duarte Calvão, que prefere “um prato novo de um restaurante de cozinha criativa. Ou mesmo um menu-degustação inteiro”. O co-autor do Mesa Marcada e colaborador da Revista de Vinhos, tem relatado as suas experiências com a comida de restaurantes entregue em casa, nesta pandemia e, por isso, aponta uma razão simples para a sua primeira escapadela: “do que sinto mais falta é da cozinha criativa, que geralmente ‘viaja’ mal”.
Num tom semelhante, também José Avillez prefere não destacar prato algum, mas sim “a experiência, o entretenimento”, o convívio e a partilha. “Mais do que um prato o que me apetece é estar num restaurante com amigos, com família a ser servido à mesa”, refere o chef do Belcanto (Lisboa) e responsável pelo Grupo Avillez. E em jeito de conclusão, Oscar Geadas doG Pousada (Bragança)deixa o seu desejo em tom de apelo: “anseio por comer um bom prato de comida portuguesa em qualquer bom restaurante que temos em Portugal. Este ano é um ano de olharmos de novo para o turismo ‘vá para fora cá dentro’. Faz sentido. Nós, restauradores e hoteleiros, precisamos que os portugueses nos descubram cada vez mais”.
Texto publicado originalmente na Revista de Vinhos nº377 (Abril 2021). Foto de abertura: cozinha do Ramiro por Paulo Barata. Outras fotos: sites e redes sociais dos restaurantes e dos profissionais do meio gastronómico que testemunharam.
Depois de um período pandémico (demasiado) longo, com altos e baixos, fechos e reaberturas e muita navegação à vista, os restaurantes voltaram a poder abrir, num processo lento, progressivo e cheio de regras. Se tudo correr bem e não houver novos percalços, pode ser que seja o regresso à normalidade, ou a uma certa normalidade. Nesse sentido, em vez de irmos atrás de planos e estratégias para os novos tempos, como fizemos no passado, fomos em busca de algo mais prosaico, da satisfação hedonista. Basicamente, quisemos saber junto de um grupo de profissionais do meio gastronómico e vínico, qual o prato que mais anseiam voltar a comer num restaurante.
Pelos testemunhos, parece que os desejos andam muito pelos mariscos e peixes de confeção simples, em lugares mais populares ou tradicionais, à beira-mar ou na cidade. “Vou querer comer um peixe grelhado ou um polvo à lagareiro num dos restaurantes de grelhados tradicionais de Matosinhos, tipo o Salta o Muro, revela-nos a Aurora Goy. Pode até acontecer que a chef do Apego (Porto) encontre Rui Paula na mesma rua a caminho do Valentim, onde o chef nortenho conta ir comer “umas lulinhas e o peixe que o Valentim aconselhar”. Tudo feito, “e bem feito, no carvão – que transmite um sabor inigualável e carregado de memória”. Com desejos de peixe está igualmente Nádia Desidério, escançã do Belcanto (Lisboa), que escolhe um cantaril, no Evaristo, próximo de Albufeira, um dos seus “peixes de eleição, de sabor suave e textura incrível”. Também pelo Sul Paulo Amado, das Edições do Gosto, anseia por umas ovas de choco no Lagar Mar, em Olhão. A razão? “os cheiros e as gentes, o sotaque da minha terra e as memórias de tantas vezes que já comi aquele prato”.
Continuando junto ao mar, Beatriz Machado, agora na Niepoort – onde é responsável da divisão de Marketing e Turismo – espera voltar às “ostras, ao caril verde, lagosta, mero e mexilhão” da Casa Mateus (Sesimbra) e recuperar as memórias das férias e dos “jantares sem horas, depois de sair da praia”. Renato Cunha do Ferrugem (Portela, Famalicão) também deseja muito partir. No seu caso, em direcção à Ilha Terceira, Açores, para se deleitar com as cracas e cavacos do Beira Mar, em São Mateus, de onde guarda a memória de uma “magistral refeição” após um périplo de aventuras pelo arquipélago, “de mochila às costas, com uma violenta subida ao Pico”.
Também Daniel Silva, responsável pela sala e vinhos do Essencial (Lisboa), tem desejos por galgar milhas (quem não tem?) e atirar-se a uma chuleta de vaca, no Asador Etxebarri (País Basco). Porém, enquanto espera a abertura de fronteiras com Espanha, vai voltar ao Prado, o seu restaurante de eleição, em Lisboa, para comer o atum rabilho, arroz carolino do Sado & algas, “um dos pratos que mais me marcou”.
“Curiosamente, um dos restaurantes que mais tenho pensado nos últimos tempos é a cervejaria Ramiro. Não imaginam como tenho vontade de me ‘afogar’ naquelas mariscadas que o Pedro nos põe na mesa e, para terminar, aquele magnífico prego no pão com lombo de altíssima qualidade, como tudo o que aquele restaurante tem!”. Quem o afirma é o chef Leonel Pereira que depois de anos à frente do São Gabriel (onde ganhou uma estrela Michelin e que entretanto encerrou), comanda agora o Checkin, em Faro, local que mantém a sua marca de autor, porém num registo mais informal. O Ramiro, onde aprecia “o conforto, a simplicidade e o produto”
é também o local de eleição para uma primeira incursão fora de casa de Carlos de Albuquerque Teixeira, onde espera ter um frente a frente com “uma mariscada e o prego de ‘sobremesa’ ”. Bem que o chefe de cozinha do restaurante da Herdade do Esporão, em Monsaraz, pode combinar a visita com o brasileiro Pedro Ramos, escanção do Alma – Henrique Sá Pessoa (Lisboa), que declara ter saudades“do camarão tigre grelhado com manteiga e alho” deste lugar. “Foi um dos primeiros pratos/restaurantes que comi quando cheguei a Portugal. Não é algo que costumo fazer em casa e tenho saudades de toda a atmosfera do sítio, que sempre me trouxe boas lembranças”, afirma. Ainda sob o domínio do mar, Gabriela Marques, escançã do Cura e do Four Seasons Ritz Hotel Lisboa, menciona o carabineiro, um dos produtos mais sublimes da nossa costa, e escolhe um dos lugares do país onde ele é mais bem tratado, o Feitoria, de João Rodrigues, em Lisboa. “É confeccionado sempre no ponto mais-que-perfeito. Sabor autêntico, delicado, textura certa, um prato que chama os dias mais quentes que se avizinham”.
Mas nem só por peixe e mariscos vivem os desejos dos nossos convidados. Vítor Claro, ex-chefe de cozinha e hoje produtor de vinhos, fez pausa na poda das suas vinhas velhas de Portalegre, que dão origem aos seus vinhos Dominó, para mencionar a açorda de fraca no forno, no Tombalobos, do seu amigo e vizinho José Júlio Vintém. “Por mais que tente não consigo fazer nada parecido em casa”, desabafa. Por sua vez,
Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, em Santarém, conta dar um salto a Almeirim para comer uma sopa da pedra no Toucinho, onde destaca o sabor, mas também a forma como é recebido. “Sinto-me em casa e traz-me muitas memórias”.
Mas há quem não anseie por um prato de memória ou de conforto. É o caso de Duarte Calvão, que prefere “um prato novo de um restaurante de cozinha criativa. Ou mesmo um menu-degustação inteiro”. O co-autor do Mesa Marcada e colaborador da Revista de Vinhos, tem relatado as suas experiências com a comida de restaurantes entregue em casa, nesta pandemia e, por isso, aponta uma razão simples para a sua primeira escapadela: “do que sinto mais falta é da cozinha criativa, que geralmente ‘viaja’ mal”.
Num tom semelhante, também José Avillez prefere não destacar prato algum, mas sim “a experiência, o entretenimento”, o convívio e a partilha. “Mais do que um prato o que me apetece é estar num restaurante com amigos, com família a ser servido à mesa”, refere o chef do Belcanto (Lisboa) e responsável pelo Grupo Avillez. E em jeito de conclusão, Oscar Geadas do G Pousada (Bragança)deixa o seu desejo em tom de apelo: “anseio por comer um bom prato de comida portuguesa em qualquer bom restaurante que temos em Portugal. Este ano é um ano de olharmos de novo para o turismo ‘vá para fora cá dentro’. Faz sentido. Nós, restauradores e hoteleiros, precisamos que os portugueses nos descubram cada vez mais”.
Texto publicado originalmente na Revista de Vinhos nº377 (Abril 2021). Foto de abertura: cozinha do Ramiro por Paulo Barata. Outras fotos: sites e redes sociais dos restaurantes e dos profissionais do meio gastronómico que testemunharam.
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