Fará diferença um chefe conhecido pelo seu lado “autoral” cozinhar pratos ditos “tradicionais” ou, pelo menos, reconhecíveis? Não bastará para isso alguém mais treinado nessas receitas de toda a vida, que fará até melhor do que outros profissionais da tal da “alta cozinha”? Sempre achei que sim, que faz diferença alguém que domine bem as técnicas, que perceba, por exemplo, a importância dos pontos de cozedura ou a dose certa temperos ou que possa introduzir uma maneira nova – recorrendo até a equipamentos recentes – para conseguir melhorar uma receita antiga. Tive mais uma vez prova disso numa visita ao restaurante Palma, situado na alentejana Herdade Torre da Palma, onde o chefe Miguel Laffan, conhecido pelo trabalho desenvolvido há um par de anos no também alentejano L’AND Vineyards, que lhe valeu então uma estrela Michelin, assina agora um renovado menu.
Até há pouco tempo, este restaurante chamava-se Basili (nome da antiga família romana que terá fundado esta propriedade e que agora denomina um dos vinhos ali produzidos) e tinha Filipe Ramalho como chefe até este, no início deste ano, ter rumado a projecto próprio, no restaurante Páteo Real, em Alter do Chão. A actual família proprietária, ligada à indústria farmacêutica em Coimbra, que adquiriu e recuperou a histórica herdade há cerca de sete anos, decidiu então convidar Miguel Laffan, que, entretanto, se tinha dedicado a projectos na área de Cascais, de onde é natural, a regressar ao Alentejo e assumir a chefia do restaurante.
Miguel Laffan
Mas que ninguém vá ao engano, o trabalho que Miguel Laffan está a desenvolver no Palma terá pouco a ver, em termos de conceito, com o que o celebrizou em restaurantes anteriores. Sabendo que a herdade dispõe de hotel – mais precisamente de um “Wine Hotel” – e que muitos hóspedes gostam de jantar no local e não deslocar-se a Estremoz, a cidade mais próxima, ou outros locais de onde dá preguiça regressar de noite após um dia bem passado, optaram por pratos mais reconhecíveis e fáceis de gostar e não pelas aventuras da criatividade culinária, que geralmente se experimentam só de vez em quando, por boas que sejam, e mesmo assim não é para toda a gente.
Ora esta opção, pelo que me foi dado a provar, em nada diminui o valor da cozinha que Miguel Laffan agora assina. São pratos muito bem feitos e saborosos, que cumprem o objectivo de ser uma boa alternativa para quem passa uns dias no hotel e que certamente agradam a muitos clientes exteriores, com a vantagem de poder satisfazer grupos com gostos variados, tais como famílias mais numerosas. Há ainda o lado regional, de ficar a conhecer alguns produtos locais, ou mesmo receitas típicas (migas ou açorda, por exemplo), mas a carta do Palma vai bastante além disso.
O almoço que lá tive começou com pequenas entradas, como é típico do Alentejo, reunidas num couvert com pão, azeitonas e azeite da herdade, queijo fresco de cabra (3,5 €), pimentos assados (1,5 €) e um delicioso rissol (3 €) que normalmente tem recheio de berbigão, que desta vez foi substituído por carabineiro. Ainda nas entradas, empada de pato assado no forno de lenha com salada de agrião e laranja (11 €), com a massa impecável, mas o recheio algo sensaborão, a precisar de ser espevitado, e um fantástico croquete, inspirado numa receita da família proprietária, de borrego merino assado com maionese de especiarias quentes e hortelã (4€). Geralmente, gosto da carne granulada no interior dos croquetes – e não transformada numa horrível “pasta” como hoje se encontra por todo o lado -, mas neste caso, talvez por se tratar de borrego, acho que o recheio ficou muito bem com a carne desfiada, numa textura suave a contrastar com a rigidez da “capa” perfeitamente frita.
Couvert
Empada de pato
Croquete de borrego
Para justificado gáudio dos respectivos profissionais, a cozinha de sala voltou a estar na moda e neste restaurante ela evidencia-se num momento dedicado aos ovos biológicos Torre de Palma, a que se juntam ingredientes regionais como enchidos (da conhecida Dona Octávia, da localidade alentejana do Cano), espargos, cogumelos e ervas da horta da herdade (14€). É o chefe de sala quem os traz num carrinho aparelhado com frigideira e fonte de calor, propondo-nos que sejam mexidos com os ingredientes que quisermos, ou “rotos”, à espanhola, ou seja, estrelados e depois misturados com batatas fritas. Estando seis pessoas à mesa, decidimos provar das duas maneiras, mas, provavelmente pelas doses não estarem adequadas ao número de comensais, não consegui tirar a satisfação que me prometiam. Mas ovos sabem-me quase sempre bem e estes não foram excepção.
Chegámos então aos pratos principais e eles começaram com bacalhau assado com migas de piso de coentros e berbigão (24€, na foto de abertura). Se o rissol e croquete já tinham demonstrado bem a valia de ter um bom chefe a fazer pratos mais habituais, aqui (e principalmente no prato seguinte) isso ficou exuberantemente evidenciado. Bacalhau absolutamente perfeito, num ponto comovente, migas leves e saborosas, tudo o que é bom na cozinha tradicional, sem correr os riscos dos excessos de cozedura ou de gordura que por vezes nela encontramos. Nas carnes, o trunfo principal foi o molho de assinatura Miguel Laffan, no qual nadava feliz um lombo de novilho “carnealentejana” (25€) – mais uma vez num ponto perfeito – e no qual pessoas de bom gosto devem mergulhar as batatas fritas cortadas à mão em estaladiços palitos e assim subirem vertiginosamente ao Céu, só voltando para dar conta do esparregado cremoso que acompanhava. Este molho devia ser engarrafado e vendido, porque julgo que até madeira ficará bem com ele. Miguel Laffan explicou-me que leva alhos assados e miso e outras coisas de que já não me lembro, dado o estado de exaltação em que me encontrava. Lembro-me sim de ter dispensado o pão que pedira, de tal modo a conjugação batatas fritas/molho afirmara a sua invencibilidade.
O lombo de novilho e o seu extraordinário molho
No final, frescura e leveza, como pedia tão copiosa refeição, numa Selecção de futos vermelhos da Costa Vicentina, sopa fria de morango e poejo, cremoso de queijo fresco e gelado de nata e suspiro (7€). De referir que os vinhos da Torre de Palma são altamente recomendáveis e foram servidos à mesa, mas na carta encontram-se vários exemplares de outros produtores alentejanos, o que só fica bem a este anfitrião. Sendo um restaurante onde pedir à carta será a opção mais adequada, deixo a terminar a lista de outros pratos disponíveis, qual deles o mais apetitoso, que, só de ler, me dão vontade de voltar a provar as pequenas “inovações” – que fazem toda a diferença – que Miguel Laffan introduziu em pratos que poderíamos comer todos os dias, tanto mais que os preços me parecem muito sensatos.
Sopas e Caldos: Açorda alentejana de bacalhau, piso de coentros e pão torrado (14€); Creme de ervilhas com enchidos assados da Dona Octávia (12€)
Entradas: Selecção de cogumelos do Alto Alentejo, creme de alho doce, salsa e papada de porco da região tostada (9€); Queijo de ovelha gratinado com orégãos frescos, chutney de pimentos e malaguetas, tostinhas caseiras (7,5€); Lulas fritas em farinha de milho, maionese de alho limão e coentros (14€)
Vegetariano: Estufado de ervilhas com ovo escalfado (18€); Caril de batata doce e ananás com legumes primaveris (19€); Migas com texturas de espargos (20€)
Peixe: Polvo assado em vinho tinto e seu arroz malandrinho (25€); Caril de camarão com especiarias quentes e leite de coco, arroz basmati premium (24€)
Carnes: Presa de Porco de Raça Alentejana BT com migas de espargos verdes (26€); Piano de Porco de Raça Alentejana cozinhada lentamente, puré de batata com manteiga dos Açores, raspa de limão e bimis grelhados (22€); Lombo de borrego merino, estufado de ervilhas com chouriças e hortelã, puré de batata doce de Aljezur (30€); Galinha de Cabidela do Montado com vinho tinto Torre de Palma e ervas frescas(24€)
Sobremesas: Homenagem à Madeira: torta de banana com vinho Madeira, geleia de maracujá e gelado de bolo de mel (8€) Pudim Abade Priscos com texturas de citrinos e gelado de tangerina (7€); Crème Brûlée de ervas doces da Herdade de Torre de Palma, gelado de chocolate branco e framboesas (8€); Seleção de queijos do mercado de Estremoz, compotas e frutos secos (12€); Mousse de chocolate crocante, cremoso de caramelo salgado e gelado de manteiga de amendoim(9€)
Para crianças: Creme de legumes (6€); Bacalhau à Brás (12€); Ovos Torre de Palma (14€); Escalope de frango panado (12€); Hamburguer (12€); Bife do lombo (18€)
Restaurante Palma
Morada: Torre de Palma Wine Hotel, Herdade de Torre de Palma, Monforte
Fará diferença um chefe conhecido pelo seu lado “autoral” cozinhar pratos ditos “tradicionais” ou, pelo menos, reconhecíveis? Não bastará para isso alguém mais treinado nessas receitas de toda a vida, que fará até melhor do que outros profissionais da tal da “alta cozinha”? Sempre achei que sim, que faz diferença alguém que domine bem as técnicas, que perceba, por exemplo, a importância dos pontos de cozedura ou a dose certa temperos ou que possa introduzir uma maneira nova – recorrendo até a equipamentos recentes – para conseguir melhorar uma receita antiga. Tive mais uma vez prova disso numa visita ao restaurante Palma, situado na alentejana Herdade Torre da Palma, onde o chefe Miguel Laffan, conhecido pelo trabalho desenvolvido há um par de anos no também alentejano L’AND Vineyards, que lhe valeu então uma estrela Michelin, assina agora um renovado menu.
Até há pouco tempo, este restaurante chamava-se Basili (nome da antiga família romana que terá fundado esta propriedade e que agora denomina um dos vinhos ali produzidos) e tinha Filipe Ramalho como chefe até este, no início deste ano, ter rumado a projecto próprio, no restaurante Páteo Real, em Alter do Chão. A actual família proprietária, ligada à indústria farmacêutica em Coimbra, que adquiriu e recuperou a histórica herdade há cerca de sete anos, decidiu então convidar Miguel Laffan, que, entretanto, se tinha dedicado a projectos na área de Cascais, de onde é natural, a regressar ao Alentejo e assumir a chefia do restaurante.
Mas que ninguém vá ao engano, o trabalho que Miguel Laffan está a desenvolver no Palma terá pouco a ver, em termos de conceito, com o que o celebrizou em restaurantes anteriores. Sabendo que a herdade dispõe de hotel – mais precisamente de um “Wine Hotel” – e que muitos hóspedes gostam de jantar no local e não deslocar-se a Estremoz, a cidade mais próxima, ou outros locais de onde dá preguiça regressar de noite após um dia bem passado, optaram por pratos mais reconhecíveis e fáceis de gostar e não pelas aventuras da criatividade culinária, que geralmente se experimentam só de vez em quando, por boas que sejam, e mesmo assim não é para toda a gente.
Ora esta opção, pelo que me foi dado a provar, em nada diminui o valor da cozinha que Miguel Laffan agora assina. São pratos muito bem feitos e saborosos, que cumprem o objectivo de ser uma boa alternativa para quem passa uns dias no hotel e que certamente agradam a muitos clientes exteriores, com a vantagem de poder satisfazer grupos com gostos variados, tais como famílias mais numerosas. Há ainda o lado regional, de ficar a conhecer alguns produtos locais, ou mesmo receitas típicas (migas ou açorda, por exemplo), mas a carta do Palma vai bastante além disso.
O almoço que lá tive começou com pequenas entradas, como é típico do Alentejo, reunidas num couvert com pão, azeitonas e azeite da herdade, queijo fresco de cabra (3,5 €), pimentos assados (1,5 €) e um delicioso rissol (3 €) que normalmente tem recheio de berbigão, que desta vez foi substituído por carabineiro. Ainda nas entradas, empada de pato assado no forno de lenha com salada de agrião e laranja (11 €), com a massa impecável, mas o recheio algo sensaborão, a precisar de ser espevitado, e um fantástico croquete, inspirado numa receita da família proprietária, de borrego merino assado com maionese de especiarias quentes e hortelã (4€). Geralmente, gosto da carne granulada no interior dos croquetes – e não transformada numa horrível “pasta” como hoje se encontra por todo o lado -, mas neste caso, talvez por se tratar de borrego, acho que o recheio ficou muito bem com a carne desfiada, numa textura suave a contrastar com a rigidez da “capa” perfeitamente frita.
Para justificado gáudio dos respectivos profissionais, a cozinha de sala voltou a estar na moda e neste restaurante ela evidencia-se num momento dedicado aos ovos biológicos Torre de Palma, a que se juntam ingredientes regionais como enchidos (da conhecida Dona Octávia, da localidade alentejana do Cano), espargos, cogumelos e ervas da horta da herdade (14€). É o chefe de sala quem os traz num carrinho aparelhado com frigideira e fonte de calor, propondo-nos que sejam mexidos com os ingredientes que quisermos, ou “rotos”, à espanhola, ou seja, estrelados e depois misturados com batatas fritas. Estando seis pessoas à mesa, decidimos provar das duas maneiras, mas, provavelmente pelas doses não estarem adequadas ao número de comensais, não consegui tirar a satisfação que me prometiam. Mas ovos sabem-me quase sempre bem e estes não foram excepção.
Chegámos então aos pratos principais e eles começaram com bacalhau assado com migas de piso de coentros e berbigão (24€, na foto de abertura). Se o rissol e croquete já tinham demonstrado bem a valia de ter um bom chefe a fazer pratos mais habituais, aqui (e principalmente no prato seguinte) isso ficou exuberantemente evidenciado. Bacalhau absolutamente perfeito, num ponto comovente, migas leves e saborosas, tudo o que é bom na cozinha tradicional, sem correr os riscos dos excessos de cozedura ou de gordura que por vezes nela encontramos. Nas carnes, o trunfo principal foi o molho de assinatura Miguel Laffan, no qual nadava feliz um lombo de novilho “carnealentejana” (25€) – mais uma vez num ponto perfeito – e no qual pessoas de bom gosto devem mergulhar as batatas fritas cortadas à mão em estaladiços palitos e assim subirem vertiginosamente ao Céu, só voltando para dar conta do esparregado cremoso que acompanhava. Este molho devia ser engarrafado e vendido, porque julgo que até madeira ficará bem com ele. Miguel Laffan explicou-me que leva alhos assados e miso e outras coisas de que já não me lembro, dado o estado de exaltação em que me encontrava. Lembro-me sim de ter dispensado o pão que pedira, de tal modo a conjugação batatas fritas/molho afirmara a sua invencibilidade.
No final, frescura e leveza, como pedia tão copiosa refeição, numa Selecção de futos vermelhos da Costa Vicentina, sopa fria de morango e poejo, cremoso de queijo fresco e gelado de nata e suspiro (7€). De referir que os vinhos da Torre de Palma são altamente recomendáveis e foram servidos à mesa, mas na carta encontram-se vários exemplares de outros produtores alentejanos, o que só fica bem a este anfitrião. Sendo um restaurante onde pedir à carta será a opção mais adequada, deixo a terminar a lista de outros pratos disponíveis, qual deles o mais apetitoso, que, só de ler, me dão vontade de voltar a provar as pequenas “inovações” – que fazem toda a diferença – que Miguel Laffan introduziu em pratos que poderíamos comer todos os dias, tanto mais que os preços me parecem muito sensatos.
Sopas e Caldos: Açorda alentejana de bacalhau, piso de coentros e pão torrado (14€); Creme de ervilhas com enchidos assados da Dona Octávia (12€)
Entradas: Selecção de cogumelos do Alto Alentejo, creme de alho doce, salsa e papada de porco da região tostada (9€); Queijo de ovelha gratinado com orégãos frescos, chutney de pimentos e malaguetas, tostinhas caseiras (7,5€); Lulas fritas em farinha de milho, maionese de alho limão e coentros (14€)
Vegetariano: Estufado de ervilhas com ovo escalfado (18€); Caril de batata doce e ananás com legumes primaveris (19€); Migas com texturas de espargos (20€)
Peixe: Polvo assado em vinho tinto e seu arroz malandrinho (25€); Caril de camarão com especiarias quentes e leite de coco, arroz basmati premium (24€)
Carnes: Presa de Porco de Raça Alentejana BT com migas de espargos verdes (26€); Piano de Porco de Raça Alentejana cozinhada lentamente, puré de batata com manteiga dos Açores, raspa de limão e bimis grelhados (22€); Lombo de borrego merino, estufado de ervilhas com chouriças e hortelã, puré de batata doce de Aljezur (30€); Galinha de Cabidela do Montado com vinho tinto Torre de Palma e ervas frescas(24€)
Sobremesas: Homenagem à Madeira: torta de banana com vinho Madeira, geleia de maracujá e gelado de bolo de mel (8€) Pudim Abade Priscos com texturas de citrinos e gelado de tangerina (7€); Crème Brûlée de ervas doces da Herdade de Torre de Palma, gelado de chocolate branco e framboesas (8€); Seleção de queijos do mercado de Estremoz, compotas e frutos secos (12€); Mousse de chocolate crocante, cremoso de caramelo salgado e gelado de manteiga de amendoim(9€)
Para crianças: Creme de legumes (6€); Bacalhau à Brás (12€); Ovos Torre de Palma (14€); Escalope de frango panado (12€); Hamburguer (12€); Bife do lombo (18€)
Restaurante Palma
Morada: Torre de Palma Wine Hotel, Herdade de Torre de Palma, Monforte
Tel.: 245 038 890
E-mail: reservas@torredepalma.com
Site: https://www.torredepalma.com/o-hotel/restaurante/
Horário: Aberto todos os dias para jantar e também aos almoços de sexta-feira, sábado e domingo
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