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O Brasil tem 2 novos duas estrelas Michelin e já se vê uma tendência para os próximos guias

Com a revelação do terceiro guia Michelin desde o inicio da pandemia, há uma tendência que parece mais ou menos evidente e que tem sido muito falada no meio: é que este vai ser um ano escasso em termos de novos restaurantes com estrelas.

Na verdade, o primeiro guia que saiu neste novo contexto e que era uma novidade, o da Eslovénia, ainda mostrou algum dinamismo neste país, tendo em conta a sua pequena dimensão e, provavelmente, porque as avaliações foram anteriores à crise sanitária. Foram anunciados cinco restaurantes com uma estrela e um com duas, o Hisa Franko, de Ana Ros e Valter Kramer.

Por sua vez, o anúncio mais recente da terceira edição do Guia Michelin de Guangzhou, só apresentou um novo restaurante com duas estrelas e um outro com uma, passando a haver nesta cidade da China um total de 2 com duas estrelas e 10 com uma estrela.

Já o mais recente lançamento, o Guia Michelin São Paulo e Rio de Janeiro 2020, decorreu neste dia 25 de Setembro e teve apenas dois novos o premiados e logo com duas estrelas. Um deles foi o Ryo, em São Paulo, um restaurante e um chefe, Edson Yamashita, praticamente desconhecidos em Portugal, e o segundo, Oteque, esse sim, um lugar e chefe, Alberto Landgraf, mais notórios por cá, sobretudo no meio gastronómico – Landgraf já cozinhou no Belcanto e participou no CNC, no ano passado.

Oteque,  visita obrigatória no Rio de Janeiro

Não me espanta nada esta segunda estrela atribuída a restaurante carioca, onde estive por duas vezes, e onde encontrei uma cozinha precisa, muito interessante, com personalidade e aquele toque de luxo, quer ao nível de certos ingredientes, quer em termos de ambiente, (apesar do seu ar informal) que o guia vermelho aprecia. O que me surpreendeu, foi o Lasai, de Rafa Costa e Silva, que a Cris Beltrão tão bem aqui descreveu há dias, não ter tido as mesmas graças aos olhos dos inspectores do guia.

Sobre Oteque, após uma segunda visita, em 2019, deixei este registo no Instagram:

“Junto com o Lasai, o restaurante Oteque é visita obrigatória no Rio de Janeiro para quem se interessa por uma cozinha contemporânea, estimulante, que supera em muito o óbvio sem recorrer artifícios. Ingredientes brasileiros – nativos ou não – destacam-se no prato, mas não como uma bandeira. Inclusive, aqui e ali, eles conjugam-se muito bem com outros de fora, como os politicamente incorrectos, foie gras, trufa, ou caviar. Diga-se de passagem, que não há uma ponta de exibicionismo na utilização destes 3 elementos associados ao luxo. Sim, o prato em que o foie gras cru é ligeiramente cozinhado pelo creme de pupunha que o acompanha, é um dos melhores, mas é-o, igualmente, a beringela, barriga de porco, creme de castanha de caju e ouriço seco; o congro rosa, creme de anchova e peixe fumado; o lagostim, maionese de peixe e maçã verde, ou ainda o sorvete de castanha crua – que foram os pratos que mais gostei de um menu de grande nível.

Apenas houve uma proposta que me pareceu menos conseguida, a trilha com um caldo de suã com um ponto de amargor acima do que desejaria; e outra, bem arriscada (só os medrosos não arriscam!), que não me convenceu totalmente: uma língua bovina mal passada, com uma textura no limite do aceitável, ainda que fosse compensada, ao nível do sabor, por um delicioso brioche “pingado” com caldo de carne.

Se o Épice, o anterior restaurante do @albertolandgraf, em São Paulo (já fechado há uns anos), era um dos meus favoritos no Brasil (e mesmo fora dele), Oteque, já o superou. E isso é muito bom, até porque o Rio necessitava mais de um lugar assim do que São Paulo.”

Os comunicados da Michelin são quase sempre omissos em termos de perdas de estrelas, mas no caso do Guia de SP e Rio sabe-se que houve quatro estabelecimentos que foram despromovidos. Dois deles, naturalmente, porque fecharam portas, como é o caso do Tuju, de Ivan Ralston, em São Paulo (que foi transformado num conceito mais acessível e informal) e o Olympe, no Rio, que durante décadas teve à frente o conhecido chefe francês Claude Troisgros (filho de Pierre Troisgros, que faleceu esta semana) e cuja chefia da cozinha tinha passado, nos últimos anos, para o seu filho Thomas Troisgros.

Os outros dois que perderam foram ambos em São Paulo: o Kosushi, “um restaurante japonês medio que nunca deveria ter ganho”, segundo a opinião de uma pessoa que conhece bem o meio e o Tangará Jean-Georges, no hotel de luxo Palácio Tangará. Segundo a mesma fonte, a perda neste lugar deve-se, na sua opinião, a uma quebra de qualidade devido a um controlo menos apertado, por parte de Jean-Georges Vongerichten, o famoso chefe franco-americano que após a fase inicial, poucas vezes foi visto no local.

E expectativas para Portugal?

Em  Novembro, vamos ter o anuncio da edição de Portugal e Espanha (à partida, a gala está prevista para o dia 30, em Madrid), e o comentário que mais tenho ouvido no meio é que para Portugal não se esperam grandes feitos: Talvez não se verifiquem perdas; poderá haver, eventualmente, um ou outro novo uma estrela, mas é pouco provável que o panorama se altere a nível de duas ou três estrelas.  

Porém, alguns também encontram uma visão mais positiva e lembrem a mensagem de “apoio ao sector gastronómico”, proferida pelo director dos guias Gwendal Poullennec, em Maio último, e cujo último parágrafo versava assim:

“A razão de ser do Guia MICHELIN é recomendar restaurantes, não somos críticos. Sempre quisemos encontrar restaurantes que sirvam boa comida, descobrir novos talentos e aproximar estes restaurantes dos comensais que desfrutam da gastronomia. É o que sempre temos feito, e o que continuaremos a fazer, tendo em conta a excecional situação que atravessamos: durante o tempo que dure a recuperação, seremos flexíveis, sensatos, respeitadores e realistas; estaremos aqui para apoiar-vos, promover-nos, dar-vos a conhecer e motivar-vos.” 

A ver vamos…

1 comment on “O Brasil tem 2 novos duas estrelas Michelin e já se vê uma tendência para os próximos guias

  1. Duarte Lebre de Freitas

    Se adivinhar em anos normais já tem o seu quê de aleatório, penso que este ano será só para bruxos.
    Mas, a apostar, diria que, em Portugal, vai ficar tudo mais ou menos na mesma. Não se pode generalizar, mas naturalmente que com equipas mais curtas, menos clientes, mais tensão, menos dinheiro, não estão a funcionar tão bem como antes, daí que os saltos para 2.ªs ou 3.ªs estrelas me pareça um cenário a descartar – tirando, talvez, o 50 Seconds, também, ou muito, por ter M. Berasategui associado, não estou a ver outro caso em que a estrela estava “cantada” (não confundir com o que eu acho justo).
    Vai ser o equilíbrio possível entre o apoio anunciado em Abril/Maio e a manutenção do padrão de exigência do Guia. Retiradas estrelas acho que só em cenários limite… já bastam os encerramentos (embora, que eu saiba, em Portugal não haja nenhum estrelado nesse cenário).
    Em suma, a expectativa é tão baixa que até somos capazes de ficar contentes!

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