Covid-19 Restaurantes

A retomada à moda do Porto

Quando a terceira fase do desconfinamento finalmente chegou, a normalidade ainda era (e não continua a ser?) uma sensação demasiado efémera. Seguindo as medidas estabelecidas pela DGS (dois metros de distância entre as mesas, uso de máscaras nos espaços comuns, etc), os restaurantes finalmente voltaram a abrir. Era o começo de Junho e havia no ar um sonho de tranquilas noites de verão.

No Porto, onde o sol e o calor são sempre mais esperados, as esplanadas ocupadas pareciam regozijar-se com os raios de sol. Nas salas dos restaurantes , mesas invariavelmente vazias. Os comensais pareciam querer ocupar de novo as ruas. Como é que é isso de voltar a comer fora, afinal? Com o passar das semanas, percebemos que, apesar de alguns protocolos e das máscaras constantes, seguia tudo igual. (Ou quase). 

Melhor Agosto de sempre 

Vasco Coelho Santos na Rua das FLores

O chefe Vasco Coelho Santos, um dos mais reconhecidos na cidade, tratou de instalar um par de mesas mesmo na Rua das Flores, a turística rua onde está localizado o Semea by Euskalduna, seu restaurante mais casual. Ganhou ali mais espaço para receber os clientes e, com o tempo, confiança para reabrir todos os dias da semana, tanto ao almoço quanto aos jantares.

“Nunca esperava isso, mas Agosto foi nosso melhor mês de sempre”, diz ele. No Euskalduna, seu restaurante de conceito fine dining (7º lugar dos Preferidos do Mesa Marcada), os estrangeiros, que eram quase 60% antes das portas fecharem pela pandemia, hoje representam 10% dos clientes. “Mas temos tido muitos portugueses de outras zonas, aqueles que não conseguiam se organizar com tanta antecedência para vir comer e que agora podem vir”, diz. Ele abre agora de novo aos sábados, e as reservas seguem à toda, ainda que com menos lugares. “Atendíamos no balcão 10 pessoas por noite, agora damos 6, mas estamos a nos adaptar bem”. 

A retomada do cenário gastronómico da cidade  — outros chefs ouvidos pelo Mesa Marcada para esta reportagem também reiteram os bons resultados de Agosto — foi um factor decisivo para Coelho Santos seguir os planos de seus novos projetos para o Porto: uma padaria — a Ogi by Euskalduna — e um novo espaço para receber os clientes do restaurante, exactamente do outro lado da Rua de Santo Idelfonso, onde está o imóvel de 100 metros quadrados que arrendou recentemente para criar uma espécie de clube de charutos e sala de espera com coquetéis

Ainda sem datas definidas de abertura, os dois novos conceitos são uma expansão do grupo Euskalduna na cidade. “Com a padaria, queremos vender nossos pães, mas também criar receitas customizadas para outros restaurantes, hotéis. Desenvolver receitas exclusivas para eles. Há uma maior demanda, já que o pão está em outro nível hoje na cidade”, diz. 

Pão ganha nova onda 

Ele tem razão: nos últimos meses, o Porto tem ganhado muitos projetos dedicados a eles. É o caso da Farro Padaria, aberta pelo chefe João Filgueiras, que deixou a cozinha do Esporão no Porto (restaurante que o grupo vínico inaugurou no início do ano) para se dedicar a seus sourdoughs, bolos do caco e broas. O grupo d’O Paparico (do empresário Sérgio Gambas) também tem planos de inaugurar sua padaria própria em 2021, prova de uma nova onda de panificação de massa mãe na cidade. 

Rui Martins e Sérgio Cambas

O restaurante, aliás, passou por uma reformulação para a reabertura pós-pandemia: foi o único dos fine dining a abandonar o formato de menu degustação, servindo agora os pratos criados pelo chefe Rui Martins (como a salada russa com lavagante e caviar e o bacalhau curado com molho de sames e açorda de línguas) “à carta”. “Este período foi importante para repensarmos o caminho que gostaríamos de seguir e decidimos adotar uma abordagem mais casual”, explica Martins. 

Isso não significa, ressalta o chefe, que O Paparico deixou fazer a alta cozinha que sempre abraçou. “Nossas exigências com qualidade de produto, técnicas e experiência dos clientes continua”, explica. “Apenas percebemos que podíamos fazer tão bem quanto antes, mas de uma maneira mais descontraída”, diz. “As pessoas estão ainda mais sedentas de sair para comer bem”. 

O ano perdido?

O chef Ricardo Costa, do The Yeatman, concorda. “As pessoas querem comer, tomar bons vinhos, estão mais dispostas a melhores experiências e a gastar que antes”, afirma. O restaurante passou por algumas adaptações com a pandemia, teve de cortar alguns ingredientes que já não podiam chegar a Portugal, como caviar e outras carnes que comprava de um fornecedor da Alemanha. O cardápio, que tinha acabado de ser lançado quando veio a pandemia, teve alterações por conta da estação, já que o Verão impõe produtos diferentes (gamba violeta, choco). Agora, já prevê novos pratos para o Outono. 

Mas o chefe acredita que no final do ano pode haver uma baixa, depois que a euforia de jantar fora após o confinamento e o verão acabarem. “O problema começa em Outubro. Com a baixa temporada, pode ser que a cidade venha a sofrer mais. Eu acho que este é um ano praticamente perdido”, diz. A retoma, espera, pode ser em 2021. “Mas difícil chegar ao nível de 2019, o melhor ano que a gastronomia do Porto já viveu”. 

O restaurante tem tido bom fluxo, com mesas completas todas as noites, o que ele atribui também ao facto de estar num hotel. “O facto de termos quartos ajuda com os clientes de fora. Há muita gente ávida por sair de casa, ter experiências fora, mesmo que próximas”.  

Encerramentos   

Os restaurantes de rua, segundo Costa, é que poderão ter dificuldades maiores se não houver uma constante do turismo. Tal como Lisboa, ainda que em menor escala, o Porto viu sua cena gastronómica se desenvolver muito como consequência do turismo que tomou Portugal nos últimos anos: novas aberturas eram constantes antes da pandemia. Agora, a cidade enumera também alguns encerramentos. 

José Avillez anunciou o fechamento definitivo de seu Mini Bar, um de seus dois espaços na cidade (o Cantinho do Avillez segue aberto), além do rompimento de sua sociedade com o empresário Vasco Mourão, do Grupo Cafeína, com quem deveria desenvolver projetos já anunciados (um deles era a reabertura do histórico Café Progresso).

A Cervejaria Galiza, espaço que se tornou icónico nos anos 1980 e 1990 ao reunir artistas, políticos e intelectuais, fechou as portas no início de Julho. Em nota divulgada pelo sindicato dos restaurantes locais, o proprietário decidiu fechar o negócio porque “não havia condições de mantê-lo aberto”, em relação à dívida acumulada que a pandemia só fez piorar. A Casa Aleixo, em Campanhã, também encerrou, após mais de 70 anos de atividades. Outros anúncios ainda devem vir. 

Novo wine bar de Tiago Feio 

Mas há quem tenha decidido abrir em plena pandemia (afinal, ainda estamos a viver uma). O chefe Tiago Feio (ex-Leopold e Ceia) criou o formato final de seu novo wine bar portuense, o Tia Tia, durante imposição da quarentena. Deve finalmente inaugurar em outubro na região da Cedofeita, na Rua Mártires da Liberdade.

“O espaço é pequeno, confortável e descontraído, onde as pessoas podem ir beber só um copo, ou ter uma refeição mais completa”, avança o chefe. Apesar da “cozinha mínima”, como diz, ele aposta em criar comida criativa e sazonal, com menu para partilhar. Na secção de vinhos, apenas os naturais, com selecção que privilegia “produtores pequenos, com paixão pelo que fazem”. “Não nos interessa tanto os rótulos e os certificados. Queremos vinhos únicos, originais, frescos, e com histórias pessoais”, diz. A selecção de músicas fica a cargo da equipa e dos clientes, a partir de uma colecção de mais de mil vinis. Um espaço para se estar à vontade, como adianta. 

Assinatura de chefe 

Novos projectos independentes também surgem em parcerias com chefes já consagrados na cena portuense. Rui Paula, dos premiados DOP e Casa de Chá da Boa Nova (com duas estrelas Michelin), assina a ementa “para partilhar” do KUG, espaço instalado em dois mil metros quadrados de jardins nos arredores do Palácio de Cristal. De sua autoria são as opções como o hambúrguer de lavagante, as vieiras com ovo de codorniz e puré de trufa e um linguine nero com vôngole e robalo. 

Pedro Braga, chefe do casual Mito, assume também, como consultor, a cozinha do Bonifácio, italiano com ar de bottega (com pizzas e massas frescas, feitas na casa) recém-inaugurado em Leça da Palmeira, uma região aliás que tem se tornado um eixo da boa gastronomia nomeadamente desde que o Grupo do Avesso (do Fava Tonka e Esquina do Avesso) passou a expandir seu “império” por ali. Os sócios Ricardo Rodrigues e Ricardo Ribeiro devem também inaugurar ainda este ano na mesma zona o La Dolorosa, restaurante de vertente mexicana, com ementa concebida pelo chefe executivo do grupo, Nuno Castro.
Ao que parece, apesar dos percalços, a retomada à moda do Porto é como a cidade já está habituada: árdua, laboriosa, mas confiante, e, acima de tudo, copiosa.

Fotos: retiradas do Instagram dos visados no artigo / Abertura: vista do Porto a partir do Hotel Yeatman, Gaia

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