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Miguel Neiva Correia (Hortelão do Oeste): “Não há maior satisfação do que comer o que produzimos com carinho”

Às quartas e sextas-feiras, vinda da Aldeia Galega da Merceana (Alenquer), uma carrinha do Hortelão do Oeste percorre a Grande Lisboa entregando produtos a alguns dos mais prestigiados restaurantes da região e também a clientes particulares, na sua esmagadora maioria residentes estrangeiros. À frente desta empresa está Miguel Neiva Correia, que há cerca de sete anos trocou a sua vida de cozinheiro pelo mundo rural, aproveitando aproximadamente 50 hectares de terras pertencentes à sua família há várias gerações, dedicando cinco deles à “horta” que justifica o nome. Há ainda oito hectares para cereais e leguminosas (onde está a cultivar trigo barbela e grão de bico preto), outros oito de eucaliptal e 30 para vinhas, cujas uvas são vendidas a um produtor vinícola vizinho, a Casa Santos Lima.

Hoje, aos 40 anos de idade, Miguel Neiva Correia está satisfeito com a decisão que tomou. É verdade que como cozinheiro teve uma vida movimentada e rica de experiências em Portugal, no Brasil e Angola. Começou por estudar Produção Alimentar e Restauração na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, integrou a célebre brigada de cozinha chefiada por Aimé Barroyer no hotel Pestana Palace, em Lisboa (com quem trabalharia uns anos depois quando o chefe francês estava no Tavares), com Bertílio Gomes nas primeiras edições do Peixe em Lisboa, onde voltaria com Henrique Mouro nos tempos do Assinatura (antigo restaurante lisboeta) e também no Clube Vilafranquense e no hotel Areias do Seixo, entre outros. E passou também dois anos no Rio de Janeiro, trabalhando com o conhecido gastrónomo José Hugo Celidónio, e por Angola, através de Vítor Sobral, dando aulas de cozinha nas Forças Armadas do país durante sete meses.

Curiosamente, a família achou natural esta queda para a cozinha, o que atribui ao facto da sua mãe já organizar festas de casamentos e ao pai ter uma forte ligação ao mundo rural, com formação em enologia, como, aliás, o seu tio José Neiva Correia, responsável pela conhecida empresa vinícola DFJ. Mas a verdade é que, em 2015, Miguel Neiva Correia “estava farto” de todas estas movimentações e decidiu voltar às origens rurais e assentar arraiais, criando o Hortelão do Oeste, que rapidamente se tornou conhecido pela qualidade e variedade dos seus produtos, onde sobressai o tomate, embora nunca tenha querido ser certificado como produtor biológico, considerando que os custos que tal implica não se justificam numa empresa como a sua. É ele o entrevistado deste Menu de Interrogação, que tem o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.

Há cozinheiros que gostariam muito de ter uma horta e alguns até concretizam essa vontade. Porém, deixou de ser cozinheiro para ser hortelão. O que levou a tomar essa decisão?

A decisão nunca foi tomada, aconteceu! Eu era cozinheiro na altura, estava cansado e desmotivado e decidi forçar-me a fazer uma pausa nos tachos. Como tantos outros cozinheiros, um dos meus hobbies era a horta e tudo o que diz respeito à vida no campo. A horta sempre existiu em casa, apenas aumentamos a diversidade e começámos a bater à porta dos cozinheiros amigos, e amigos de amigos, e a partir daí não parámos!

Cerca de 90% dos clientes são restaurantes, mas o Hortelão do Oeste também faz entregas a particulares

O Hortelão do Oeste impôs-se no mercado da restauração com uma certa facilidade. É porque havia espaço para mais um, ou porque, como cozinheiro, percebeu que havia lacunas na oferta? 

Permitam-me que discorde da facilidade na nossa colocação no mercado, antes pelo contrário, houve muito “sangue, suor e lágrimas”. Penso que as principais razões para nos estabelecermos no mercado foi a grande teimosia do meu Pai e o nosso sacrifício e dedicação de corpo e alma ao campo. Obviamente que não será de descartar a minha passagem pelas cozinhas, pois facilita quer na comunicação quer na proximidade que fomentamos com os nossos parceiros. Quanto à oferta, aquilo que nos move é a possibilidade de produzirmos uma grande diversidade de legumes que eram ou são, incomuns no mercado convencional, ao ar livre, e tentar produzir um produto de alta qualidade.

Maria José Macedo, da Quinta do Poial, dizia que o “bio” não é todo igual. Concorda?

A Quinta do Poial sempre foi para mim, como cozinheiro, uma referência – e também para nós, como produtores – pela qualidade do produto. Concordo de certa forma com a frase, talvez trocasse o “bio” por “produto”. Aquilo que nos move é a qualidade do produto.

Esta tendência de restaurantes “plant-based”, vegetarianos, vegan, veio para ficar ou é só mais uma moda passageira?

Eu espero que seja uma têndencia para ficar, para nós dava imenso jeito!!!

Penso que vem para ficar, o vegetal passou a assumir um papel de maior destaque nos restaurantes, cada vez mais fazendo esquecer a proteína animal.

Os produtos são provenientes de cinco hectares de terras pertencentes à família há várias gerações

Em que mesas, de cozinheiros profissionais ou amadores, ficou mais satisfeito com o tratamento dado aos seus produtos?

A melhor referência é em casa, não há maior satisfação do que comer o que produzimos com carinho. Depois é obvio que ficamos radiantes de ver os nossos produtos nos melhores restaurantes da Grande Lisboa.

Pela vossa experiência, é possível ser produtivo e rentável aplicando práticas agricultura sustentável como a agrofloresta, agricultura sintrópica, ou a permacultura?

Penso que da óptica do negócio não é, são modelos regenerativos que não apresentam resultados a curto prazo e, para o caso de um pequeno produtor, com uma pequena área, não lhe paga o sustento. Respeito imenso esses modos de produção, contudo é difícil dispor financeiramente de meios, sabendo que terá algum retorno a médio/longo prazo.

Muitos pequenos produtores dizem que os custos de fazer entregas nos grandes centros urbanos impedem que sejam rentáveis. Tem ideia de como resolver esta questão?

De facto, os custos de distribuição são quanto a mim o calcanhar de Aquiles dos pequenos produtores agrícolas. É uma fortuna! No entanto, continuamos a assumir essa distribuição, é personalizada e próxima, e acompanhamos o produto até ao fim.

Já nos foram apresentadas propostas mais económicas, mas é difícil arriscarmos porque receamos perder a proximidade, bem como o receio das respectivas cargas não serem tratadas em condições, como acontece por vezes noutro tipo de cargas no mundo das distribuidoras.

A qualidade e variedade do tomate contribuiu fortemente para a fama do Hortelão do Oeste

Quais os principais produtos agrícolas portugueses que se podem destacar internacionalmente?

Não destacaria nenhum em particular. Dispomos de condições espectaculares para produzirmos todo o tipo de legumes e outros de alta qualidade. E é com essa qualidade que nos destacamos.  No nosso caso, o feedback dos chefes vindos de outras latitudes é muito, muito bom.

Há algum modelo que tenham como referência, como o “market gardener”, por exemplo? 

Não, apenas seguimos os ensinamentos que nos foram transmitidos pelo Pai, adaptando a novas realidades, quer na sustentabilidade quer na rentabilidade, tudo isto assente num profundo respeito pelo campo e o seu meio envolvente. Da nossa parte um compromisso de seriedade e humildade. 

E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?

Seria uma grande sopa de entulho, pão, queijo e enchidos, pão e vinho! Se possível acompanhado pela família e amigos

Patrocínio:

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