Na Lisboa de há sete anos, “abria uma hamburgueria em cada esquina”, e por isso achou que havia espaço para proporcionar o mesmo tipo de refeições, baseada em sanduíches e petiscos, mas diferenciando-se ao apostar numa maior proximidade com os hábitos portugueses. A carne de porco foi assim a escolhida, dando origem ao restaurante Pigmeu, em Campo de Ourique, e o êxito foi imediato, sendo difícil encontrar vaga nos seus 30 lugares. Um bom começo para a primeira aventura a solo de Miguel Peres, um lisboeta de 33 anos, de uma família sem tradições na restauração, mas que sempre cultivou a boa mesa, facto que o terá levado a optar por tirar o curso de Produção Alimentar na Escola Superior de Hotelaria do Estoril e, após uma breve experiência em gestão hoteleira, enveredar pelo mundo da cozinha e da restauração.
No seu percurso, vamos encontrar passagens pelas cozinhas estreladas do Gastro, o restaurante que Sergi Arola tinha então em Madrid, e do hotel Herederos del Marqués de Riscal, em La Rioja, que tem Francis Paniego como chefe consultor, mas também, já em Lisboa, na Estrela da Bica, de Marta Figueiredo, no restaurante/cafetaria do Museu do Chiado, ou no antigo Chef Cordeiro, no Terreiro do Paço. A par disso, manteve actividade com jantares privados e catering, o que o terá incentivado a decidir, ainda muito novo, que queria ter algo só seu.
A oportunidade surgiu em Campo de Ourique, no antigo espaço do restaurante Correia, uma localização que agradou a Miguel Peres, já que este típico bairro passava por um processo de renovação e rejuvenescimento, propício ao surgimento de projectos diferentes como o Pigmeu. “A localização era boa, mas estávamos na rua errada, onde ninguém passava”, recorda. “No início, tivemos que arrastar as pessoas para lá, mas depois começou logo a funcionar o boca-a-boca”. E foram estes fiéis clientes que ajudaram o Pigmeu a não só aguentar a pandemia, como até a criar um serviço de mercearia online, em parceria com diversos produtores, entre os quais se destacava a alentejana Herdade do Freixo do Meio, bem conhecida pela qualidade e diversidade dos seus produtos biológicos. O êxito, foi, mais uma vez, enorme, e a mercearia vai surgir fisicamente, em breve, no Mercado da Ribeira, justamente no local onde antes estava a loja do Freixo do Meio.
Miguel Peres – que hoje se define mais como “restaurador” do que cozinheiro, tratando da parte administrativa do restaurante e estando frequentemente na sala – fala sobre isto e muito mais neste Menu de Interrogação, que conta com o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.
De Janeiro a Dezembro: descubra como evolui o dia a dia de quem torna possívelcada Estrella Damm que bebemos.
Vivemos numa época, na sociedade ocidental, em que cada vez mais se vilipendia o consumo de carne (embora se mantenha elevado). Há muita desinformação nesta temática? Como lida com grupos de pressão?
Participando activamente no debate, e até organizando debates sobre o assunto no restaurante. A questão do consumo de carne tem dois lados. O da ética e da compaixão, que questiona o bem-estar animal e se precisamos matar para comer. E um segundo, o da ecologia e sustentabilidade do planeta, onde já se provou que o impacto provocado pelo sistema alimentar industrializado vigente é altamente destrutivo para o planeta.
Começando pela ética e compaixão, nós compreendemos e estamos alinhados. Não aceitamos animais que vivam confinados, enjaulados. Queremos animais que sejam criados soltos, alimentados de forma natural e sem antibióticos. Mas acreditamos que podemos e devemos comer carne, encarar que matamos para comer, assim como as outras espécies o fazem, é para mim natural. Acho que grande parte de nós tenta evitar este pensamento de que para comer peixe ou carne um animal teve que morrer para que isso aconteça. A consciência desse facto talvez possa regrar um pouco a maneira como nos alimentamos e o respeito pelos animais que criamos.
A redução do consumo de carne é, de facto, necessária. A população mundial, embora vá abrandando a velocidade de crescimento, não vai parar de crescer. Os países em rápido crescimento estão a tirar milhões de pessoas da pobreza e a criar uma nova classe média e novos ricos. Essas pessoas vão poder e querer comer mais carne. A produção animal sustentável embora seja escalável não é infinita.
A tendência é que a produção intensiva de animais, aquela que realmente tem um impacto negativo no planeta não pare de aumentar, a não ser que se consuma menos carne. A mesma coisa se aplica à pesca, que se tornou completamente insustentável. Acho que vamos estar vivos para ver o preço do peixe e da carne subirem estratosfericamente e tornarem-se inacessíveis. Seja pelo esvaziamento dos oceanos ou pela desflorestação causada pela criação intensiva de animais. Vamos estar em maus lençóis! A geração seguinte não se poderá alimentar da mesma maneira do que nós.
Quanto a desinformação, há alguma, mas há também uma enorme falta de sentido crítico da nossa parte enquanto consumidores. A melhor solução é mesmo perceber onde, com quem e como é produzida a nossa comida.
É um activista que usa as redes sociais para passar os seus valores e os do restaurante. Sem estas redes o Pigmeu já teria desaparecido?
Em Dezembro, fazemos sete anos. Começámos por ser uma casa de sandes com uns petiscos que usava várias partes do porco. O alinhamento entre o nosso trabalho e os valores em que acreditamos é um processo de construção desde há quatro anos, quando não estávamos satisfeitos com o trabalho que estávamos a fazer.
Tem sido um processo profundo de reflexão em torno do que é um consumo de carne consciente e responsável, que passa por trabalharmos com pequenos produtores que têm impacto positivo nos ecossistemas onde trabalham, reduzir a quantidade de carne na refeição através da utilização de pratos à base de vegetais e com um combate ao desperdício em relação às miudezas e extremidades, que representam cerca de 30% do animal, mas que continuam a ser excluídas de grande parte das mesas de restaurantes e casas portuguesas.
Hoje, quando se come no Pigmeu, na verdade apenas 1/3 da refeição é a carne dos porcos que compramos inteiros e desmanchamos. Os outros 2/3 são vegetais e miudezas. No Pigmeu, um porco inteiro dá para 350 pessoas.
Existe também um processo contínuo de cooperação com pequenos produtores portugueses que estão na vanguarda da agricultura regenerativa, com produtores de vinhos naturais e uma partilha enorme com outros restaurantes.
Tudo isto tem uma certa complexidade e não é simples explicar, portanto sentimos necessidade de partilhar isso com frequência. O Pigmeu é muitas vezes descrito como um restaurante que serve porco. Mas o que é que isso quer dizer? Cada um vai imaginar uma coisa diferente… uns pensam em secretos, outros em bochechas, alguns em pezinhos e tantas outras coisas… Grande parte das vezes não somos nada do que a pessoa imaginou…
Essa comunicação de que fala é essencial para que não haja decepções e para relembrar os nossos clientes para nos visitarem, mas não é certamente o motivo por estarmos vivos. Se estamos abertos passados sete anos é graças sobretudo a uma comunidade de clientes com quem temos uma relação muito próxima, muitos deles trabalham na restauração, outros são apenas bons comensais, mas foram eles que fizeram o Pigmeu crescer, trazendo cada vez mais gente através de boca a boca, ou das redes. Foram eles que nos permitiram evoluir e apoiaram a seguir este caminho, foram eles que nos seguraram nos confinamentos.
É preciso perceber que há um lado muito especial desta relação, porque se formos honestos sabemos que há muitos restaurantes a fazer muito melhor comida que nós, mas nenhum deles tem um Alberto, uma Xica, um Gui, um Miguel que tratam pelo nome e que estão cá para os receber e para lhes trazer algo diferente para a mesa. Quando digo algo não refiro só à comida e aos vinhos, às vezes é uma conversa ou até um abraço.
Quais são os chefes que admira?
Posso não me cingir a chefes? Tenho uma paixão especial pelo Fergus Henderson e pelo Trevor Gulliver, donos do St. John, em Londres. Poucos de nós nesta indústria conseguiremos alcançar um dia a classe, glutonice e charme destes senhores.
Depois tenho uma série de pessoas pelas quais tenho uma grande admiração e que cujo trabalho em algum momento influenciou o trabalho que fazemos hoje em dia , como a Sílvia e o Nadir dos Goliardos, a Rita, da Comida Independente, o Alfredo Cunhal Sendim, do Freixo do Meio, Agostinho da Silva, o Virgílio Gomes, Maria de Lourdes Modesto, a Manuela Brandão e o Fernando Fernandes, o José Júlio Vintém, o Mário Rolando, o André Magalhães, o Vasco Coelho Santos, Nuno Mendes, a Becas e o António Galapito, o Andoni Aduriz, em Espanha, no Brasil: o Alex Atala e a Gabriela Monteleone, a Lis Cereja, a Bel Coelho e o Alberto Landgraf, nos EUA, Dan Barber e David Chang, e, em França, Escoffier, Alain Passard e César Ritz.
Sente que a pandemia alterou o comportamento dos clientes nos restaurantes?
Sim estamos todos cheios de tiques sociais, não só os clientes, quem trabalha também, mas a pouco e pouco as coisas voltam ao normal. Também houve um intensificar de no-shows pós-pandemia que não se percebe bem de onde surge.
Até que ponto os ordenados podem subir na estrutura de custos dos restaurantes portugueses – tentando atrair a mão de obra que actualmente falta – sem pôr em causa a sua viabilidade?
Neste momento especifico em que grande parte das empresas estão sobre endividadas, para os salários subirem é preciso subir o preço da refeição ou reduzir os impostos. Hoje em dia, quando uma empresa lhe paga 17 325 € por ano, o trabalhador recebe aproximadamente 63% do valor pago. Ou seja, cerca de 10 876,08 €.
Não faz sentido que um trabalhador que nem sequer recebe 1000€ por mês seja obrigado a deixar 37% dos seus rendimentos ao Estado.
Para mim, o grande erro está na tabela de tributações. Empresários e trabalhadores querem é mais dinheiro na mão das pessoas. Se os salários até 1000€ ou 1400€ fossem tributados como hoje em dia é o salário mínimo (ou até menos), íamos ver salários a aumentar, menos fugas aos impostos, o rendimento das famílias a aumentar e o salário médio a crescer.
É importante subir salários, mas ainda mais importante era reduzir as horas de trabalho. Um bom salário dividido por 10/12/14h por dia torna-se rapidamente num mau salário. Esse é um problema em que tanto as empresas como os trabalhadores podem cooperar para se resolver mais rápido. Era interessante que pudéssemos acabar também com os turnos repartidos, mas financeiramente isso será mais complicado, precisaríamos subir bastante o preço da comida, ou arranjar maneiras de rentabilizar as tardes.
Os produtores portugueses estão a compreender bem a nova realidade da nossa restauração urbana ou ainda há muito a mudar nessa relação?
Quando falamos de pequenos produtores acho que estão. A nossa restauração urbana é que ainda tem alguma dificuldade em compreender o produtor e o ciclo das coisas, mas creio que estamos muito melhor do que há cinco anos. Os produtores estão cada vez mais preparados para colaborar com os restaurantes, há é um grande entrave logístico. É caro enviar mercadoria fresca dentro deste país tão pequeno. Há também espaço para intermediários que possam fazer essa ponte e não sejam vampiros, nem para o produtor nem para o restaurante. Já temos bons exemplos nesse sentido como os Goliardos e o Talho das Manas.
O Pigmeu poderia ser bem-sucedido no Campo de Ourique de há uns 10 anos, antes do aumento das comunidades estrangeiras residentes no bairro e do crescimento do turismo?
Não temos nem muitos turistas, nem muitos estrangeiros, o nosso público é português. Mas de todas as formas não sei se há 10 anos teríamos público para o tipo de comida que fazemos, sei que há sete temos!
Consegue ter tempo e disposição para se dedicar a outras actividades ou o restaurante preocupa-o sete dias por semana?
Neste último ano, tem sido um trabalho muito intenso, sete dias por semana a pensar no restaurante e na sobrevivência. E, hoje em dia, preocupado em ser capaz de aguentarmos a procura que não pára de crescer, ao mesmo tempo que nos preparamos para novos projectos.
Mas quando há tempo normalmente é gasto em restaurantes, a visitar produtores, a ler bibliografias ou livros de gastronomia e de gestão, a viajar e a beber vinho.
Tem novos projectos na calha?
Sim. Vamos pegar no projecto de mercearia que fizemos no primeiro confinamento e abrir uma mercearia e charcutaria no Mercado da Ribeira, em Lisboa. Em Dezembro, se tudo correr bem, fazemos um pop up para começarmos a testar o conceito e em Janeiro já contamos ter o espaço com as obras e equipamento necessário para começar à séria.
E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?
Seria uma matança do porco, daquelas que começam e não acabam, petisco atrás de petisco. com aquelas pessoas que estão no meu coração.
Patrocínio:
De Janeiro a Dezembro: descubra como evolui o dia a dia de quem torna possível cada Estrella Damm que bebemos.
Na Lisboa de há sete anos, “abria uma hamburgueria em cada esquina”, e por isso achou que havia espaço para proporcionar o mesmo tipo de refeições, baseada em sanduíches e petiscos, mas diferenciando-se ao apostar numa maior proximidade com os hábitos portugueses. A carne de porco foi assim a escolhida, dando origem ao restaurante Pigmeu, em Campo de Ourique, e o êxito foi imediato, sendo difícil encontrar vaga nos seus 30 lugares. Um bom começo para a primeira aventura a solo de Miguel Peres, um lisboeta de 33 anos, de uma família sem tradições na restauração, mas que sempre cultivou a boa mesa, facto que o terá levado a optar por tirar o curso de Produção Alimentar na Escola Superior de Hotelaria do Estoril e, após uma breve experiência em gestão hoteleira, enveredar pelo mundo da cozinha e da restauração.
No seu percurso, vamos encontrar passagens pelas cozinhas estreladas do Gastro, o restaurante que Sergi Arola tinha então em Madrid, e do hotel Herederos del Marqués de Riscal, em La Rioja, que tem Francis Paniego como chefe consultor, mas também, já em Lisboa, na Estrela da Bica, de Marta Figueiredo, no restaurante/cafetaria do Museu do Chiado, ou no antigo Chef Cordeiro, no Terreiro do Paço. A par disso, manteve actividade com jantares privados e catering, o que o terá incentivado a decidir, ainda muito novo, que queria ter algo só seu.
A oportunidade surgiu em Campo de Ourique, no antigo espaço do restaurante Correia, uma localização que agradou a Miguel Peres, já que este típico bairro passava por um processo de renovação e rejuvenescimento, propício ao surgimento de projectos diferentes como o Pigmeu. “A localização era boa, mas estávamos na rua errada, onde ninguém passava”, recorda. “No início, tivemos que arrastar as pessoas para lá, mas depois começou logo a funcionar o boca-a-boca”. E foram estes fiéis clientes que ajudaram o Pigmeu a não só aguentar a pandemia, como até a criar um serviço de mercearia online, em parceria com diversos produtores, entre os quais se destacava a alentejana Herdade do Freixo do Meio, bem conhecida pela qualidade e diversidade dos seus produtos biológicos. O êxito, foi, mais uma vez, enorme, e a mercearia vai surgir fisicamente, em breve, no Mercado da Ribeira, justamente no local onde antes estava a loja do Freixo do Meio.
Miguel Peres – que hoje se define mais como “restaurador” do que cozinheiro, tratando da parte administrativa do restaurante e estando frequentemente na sala – fala sobre isto e muito mais neste Menu de Interrogação, que conta com o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.
Vivemos numa época, na sociedade ocidental, em que cada vez mais se vilipendia o consumo de carne (embora se mantenha elevado). Há muita desinformação nesta temática? Como lida com grupos de pressão?
Participando activamente no debate, e até organizando debates sobre o assunto no restaurante. A questão do consumo de carne tem dois lados. O da ética e da compaixão, que questiona o bem-estar animal e se precisamos matar para comer. E um segundo, o da ecologia e sustentabilidade do planeta, onde já se provou que o impacto provocado pelo sistema alimentar industrializado vigente é altamente destrutivo para o planeta.
Começando pela ética e compaixão, nós compreendemos e estamos alinhados. Não aceitamos animais que vivam confinados, enjaulados. Queremos animais que sejam criados soltos, alimentados de forma natural e sem antibióticos. Mas acreditamos que podemos e devemos comer carne, encarar que matamos para comer, assim como as outras espécies o fazem, é para mim natural. Acho que grande parte de nós tenta evitar este pensamento de que para comer peixe ou carne um animal teve que morrer para que isso aconteça. A consciência desse facto talvez possa regrar um pouco a maneira como nos alimentamos e o respeito pelos animais que criamos.
A redução do consumo de carne é, de facto, necessária. A população mundial, embora vá abrandando a velocidade de crescimento, não vai parar de crescer. Os países em rápido crescimento estão a tirar milhões de pessoas da pobreza e a criar uma nova classe média e novos ricos. Essas pessoas vão poder e querer comer mais carne. A produção animal sustentável embora seja escalável não é infinita.
A tendência é que a produção intensiva de animais, aquela que realmente tem um impacto negativo no planeta não pare de aumentar, a não ser que se consuma menos carne. A mesma coisa se aplica à pesca, que se tornou completamente insustentável. Acho que vamos estar vivos para ver o preço do peixe e da carne subirem estratosfericamente e tornarem-se inacessíveis. Seja pelo esvaziamento dos oceanos ou pela desflorestação causada pela criação intensiva de animais. Vamos estar em maus lençóis! A geração seguinte não se poderá alimentar da mesma maneira do que nós.
Quanto a desinformação, há alguma, mas há também uma enorme falta de sentido crítico da nossa parte enquanto consumidores. A melhor solução é mesmo perceber onde, com quem e como é produzida a nossa comida.
É um activista que usa as redes sociais para passar os seus valores e os do restaurante. Sem estas redes o Pigmeu já teria desaparecido?
Em Dezembro, fazemos sete anos. Começámos por ser uma casa de sandes com uns petiscos que usava várias partes do porco. O alinhamento entre o nosso trabalho e os valores em que acreditamos é um processo de construção desde há quatro anos, quando não estávamos satisfeitos com o trabalho que estávamos a fazer.
Tem sido um processo profundo de reflexão em torno do que é um consumo de carne consciente e responsável, que passa por trabalharmos com pequenos produtores que têm impacto positivo nos ecossistemas onde trabalham, reduzir a quantidade de carne na refeição através da utilização de pratos à base de vegetais e com um combate ao desperdício em relação às miudezas e extremidades, que representam cerca de 30% do animal, mas que continuam a ser excluídas de grande parte das mesas de restaurantes e casas portuguesas.
Hoje, quando se come no Pigmeu, na verdade apenas 1/3 da refeição é a carne dos porcos que compramos inteiros e desmanchamos. Os outros 2/3 são vegetais e miudezas. No Pigmeu, um porco inteiro dá para 350 pessoas.
Existe também um processo contínuo de cooperação com pequenos produtores portugueses que estão na vanguarda da agricultura regenerativa, com produtores de vinhos naturais e uma partilha enorme com outros restaurantes.
Tudo isto tem uma certa complexidade e não é simples explicar, portanto sentimos necessidade de partilhar isso com frequência. O Pigmeu é muitas vezes descrito como um restaurante que serve porco. Mas o que é que isso quer dizer? Cada um vai imaginar uma coisa diferente… uns pensam em secretos, outros em bochechas, alguns em pezinhos e tantas outras coisas… Grande parte das vezes não somos nada do que a pessoa imaginou…
Essa comunicação de que fala é essencial para que não haja decepções e para relembrar os nossos clientes para nos visitarem, mas não é certamente o motivo por estarmos vivos. Se estamos abertos passados sete anos é graças sobretudo a uma comunidade de clientes com quem temos uma relação muito próxima, muitos deles trabalham na restauração, outros são apenas bons comensais, mas foram eles que fizeram o Pigmeu crescer, trazendo cada vez mais gente através de boca a boca, ou das redes. Foram eles que nos permitiram evoluir e apoiaram a seguir este caminho, foram eles que nos seguraram nos confinamentos.
É preciso perceber que há um lado muito especial desta relação, porque se formos honestos sabemos que há muitos restaurantes a fazer muito melhor comida que nós, mas nenhum deles tem um Alberto, uma Xica, um Gui, um Miguel que tratam pelo nome e que estão cá para os receber e para lhes trazer algo diferente para a mesa. Quando digo algo não refiro só à comida e aos vinhos, às vezes é uma conversa ou até um abraço.
Quais são os chefes que admira?
Posso não me cingir a chefes? Tenho uma paixão especial pelo Fergus Henderson e pelo Trevor Gulliver, donos do St. John, em Londres. Poucos de nós nesta indústria conseguiremos alcançar um dia a classe, glutonice e charme destes senhores.
Depois tenho uma série de pessoas pelas quais tenho uma grande admiração e que cujo trabalho em algum momento influenciou o trabalho que fazemos hoje em dia , como a Sílvia e o Nadir dos Goliardos, a Rita, da Comida Independente, o Alfredo Cunhal Sendim, do Freixo do Meio, Agostinho da Silva, o Virgílio Gomes, Maria de Lourdes Modesto, a Manuela Brandão e o Fernando Fernandes, o José Júlio Vintém, o Mário Rolando, o André Magalhães, o Vasco Coelho Santos, Nuno Mendes, a Becas e o António Galapito, o Andoni Aduriz, em Espanha, no Brasil: o Alex Atala e a Gabriela Monteleone, a Lis Cereja, a Bel Coelho e o Alberto Landgraf, nos EUA, Dan Barber e David Chang, e, em França, Escoffier, Alain Passard e César Ritz.
Sente que a pandemia alterou o comportamento dos clientes nos restaurantes?
Sim estamos todos cheios de tiques sociais, não só os clientes, quem trabalha também, mas a pouco e pouco as coisas voltam ao normal. Também houve um intensificar de no-shows pós-pandemia que não se percebe bem de onde surge.
Até que ponto os ordenados podem subir na estrutura de custos dos restaurantes portugueses – tentando atrair a mão de obra que actualmente falta – sem pôr em causa a sua viabilidade?
Neste momento especifico em que grande parte das empresas estão sobre endividadas, para os salários subirem é preciso subir o preço da refeição ou reduzir os impostos. Hoje em dia, quando uma empresa lhe paga 17 325 € por ano, o trabalhador recebe aproximadamente 63% do valor pago. Ou seja, cerca de 10 876,08 €.
Não faz sentido que um trabalhador que nem sequer recebe 1000€ por mês seja obrigado a deixar 37% dos seus rendimentos ao Estado.
Para mim, o grande erro está na tabela de tributações. Empresários e trabalhadores querem é mais dinheiro na mão das pessoas. Se os salários até 1000€ ou 1400€ fossem tributados como hoje em dia é o salário mínimo (ou até menos), íamos ver salários a aumentar, menos fugas aos impostos, o rendimento das famílias a aumentar e o salário médio a crescer.
É importante subir salários, mas ainda mais importante era reduzir as horas de trabalho. Um bom salário dividido por 10/12/14h por dia torna-se rapidamente num mau salário. Esse é um problema em que tanto as empresas como os trabalhadores podem cooperar para se resolver mais rápido. Era interessante que pudéssemos acabar também com os turnos repartidos, mas financeiramente isso será mais complicado, precisaríamos subir bastante o preço da comida, ou arranjar maneiras de rentabilizar as tardes.
Os produtores portugueses estão a compreender bem a nova realidade da nossa restauração urbana ou ainda há muito a mudar nessa relação?
Quando falamos de pequenos produtores acho que estão. A nossa restauração urbana é que ainda tem alguma dificuldade em compreender o produtor e o ciclo das coisas, mas creio que estamos muito melhor do que há cinco anos. Os produtores estão cada vez mais preparados para colaborar com os restaurantes, há é um grande entrave logístico. É caro enviar mercadoria fresca dentro deste país tão pequeno. Há também espaço para intermediários que possam fazer essa ponte e não sejam vampiros, nem para o produtor nem para o restaurante. Já temos bons exemplos nesse sentido como os Goliardos e o Talho das Manas.
O Pigmeu poderia ser bem-sucedido no Campo de Ourique de há uns 10 anos, antes do aumento das comunidades estrangeiras residentes no bairro e do crescimento do turismo?
Não temos nem muitos turistas, nem muitos estrangeiros, o nosso público é português. Mas de todas as formas não sei se há 10 anos teríamos público para o tipo de comida que fazemos, sei que há sete temos!
Consegue ter tempo e disposição para se dedicar a outras actividades ou o restaurante preocupa-o sete dias por semana?
Neste último ano, tem sido um trabalho muito intenso, sete dias por semana a pensar no restaurante e na sobrevivência. E, hoje em dia, preocupado em ser capaz de aguentarmos a procura que não pára de crescer, ao mesmo tempo que nos preparamos para novos projectos.
Mas quando há tempo normalmente é gasto em restaurantes, a visitar produtores, a ler bibliografias ou livros de gastronomia e de gestão, a viajar e a beber vinho.
Tem novos projectos na calha?
Sim. Vamos pegar no projecto de mercearia que fizemos no primeiro confinamento e abrir uma mercearia e charcutaria no Mercado da Ribeira, em Lisboa. Em Dezembro, se tudo correr bem, fazemos um pop up para começarmos a testar o conceito e em Janeiro já contamos ter o espaço com as obras e equipamento necessário para começar à séria.
E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?
Seria uma matança do porco, daquelas que começam e não acabam, petisco atrás de petisco. com aquelas pessoas que estão no meu coração.
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