Aos 19 anos, o objectivo era ser barman e, por isso, foi para a zona de Alcântara, onde então se situavam alguns dos mais conhecidos bares de Lisboa, à procura de emprego. Mas ao chegar ao Café Café, um restaurante onde então estava um chefe Vítor Sobral em início de carreira, acabaria por experimentar o trabalho que lhe propuseram – empratar sobremesas. A partir daí, Hugo Nascimento esqueceu-se dos “líquidos” e passou a dedicar-se aos “sólidos”, acompanhando Vítor Sobral nos diversos restaurantes em que ele oficiou em Portugal e no Brasil (Cervejeira Lusitana, Bela Vista, Terreiro do Paço, Peixaria da Esquina, Padaria da Esquina, Tasca da Esquina de São Paulo) até chegar a sócio do grupo e chefe de cozinha da primeira Tasca da Esquina, em Campo de Ourique.
No entanto, em Agosto de 2019, decidiu mudar de vida e juntamente com a sua mulher Joana (que também trabalhava no grupo de Vítor Sobral na gestão de clientes) foi para Odeceixe, na Costa Vicentina, para abrir o Naperon, ou melhor, näperõn (o nome oficial é com esta grafia), restaurante do empreendimento turístico Casas do Moinho onde costumavam passar férias com os três filhos. “Foi um pouco por acaso que isto aconteceu. Três ou quatro dias depois de estarmos lá de férias pela primeira vez, perguntei aos donos se eles gostariam que eu cozinhasse para os hóspedes. Correu tão bem que nos anos seguintes fazia sempre um jantar lá. Por isso, quando decidimos sair de Lisboa, eles convidaram-me para vir para Odeceixe e achámos que seria de facto o local ideal”, conta.
Apesar dos tempos complicados que a restauração tem vivido, Hugo Nascimento está satisfeito com a opção tomada, assim como a sua mulher, que continua a trabalhar na gestão de clientes e também na parte comercial do empreendimento turístico. Além do näperõn, que só funciona ao jantar, abriu no início do ano o Assador Altinho, um restaurante mais informal na mesma rua em Odeceixe. Nada mau para este lisboeta de 45 anos de idade, cuja mãe – ribatejana de Martinchel, perto da barragem de Castelo de Bode – que cozinhou em vários cafés até fazer um curso de Administração Pública e passar a trabalhar nessa área, um dia lhe disse: “Andei eu tantos anos a tentar livrar-me da cozinha para agora tu te meteres nisso…”. É este o entrevistado deste mês do Menu de Interrogação, que conta com o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.
De Janeiro a Dezembro: descubra como evolui o dia a dia de quem torna possívelcada Estrella Damm que bebemos.
Durante muitos anos foi sócio e fiel nº 2 de Vítor Sobral. Parecia ser uma situaçãoque lhe agradava, até pela autonomia que tinha. Porém, de repente, sai para ter o seu próprio projecto. O que aconteceu?
Durante cerca de 25 anos, trabalhei intensamente e fui muito feliz em Lisboa. Passei de ajudante de cozinha a sócio de um dos melhores chefs do país, criei imenso, viajei muito em trabalho também. Porém, chegada esta fase da minha vida com três filhos pequenos (três, cinco e quinze anos de idade) os objectivos mudam. Eu e a Joana já há algum tempo que falávamos em sair de Lisboa e procurar uma vida com mais qualidade e assim foi. Procurámos um sítio onde pudéssemos desenvolver o nosso trabalho, mas ao mesmo tempo conseguíssemos ter tempo para nós, para a família. Portanto resumindo, o que aconteceu foi fruto de um processo natural de amadurecimento. Lisboa foi muito bom, mas tudo o que é bom tem um fim.
A visibilidade que dantes não procurava é agora fundamental tendo um projecto próprio?
Claro. Ainda para mais quando esse projecto não está em Lisboa nem algo parecido. Mas mesmo não tendo procurado essa visibilidade ela surgiu naturalmente fruto do meu trabalho durante estes anos e por isso não me posso queixar…
Joana, casada com Hugo Nascimento, é responsável pela gestão de clientes
Desde que se mudou para o Algarve em algum momento disse “onde é que me fui meter”, ou foi mais “porque é que demorei tanto tempo a fazê-lo”?
Nem uma nem outra. Foi a melhor decisão da minha vida na altura certa. O caminho até aqui foi muito importante para saber o que quero e o que não quero. Sair de Lisboa antes não fazia sentido.
Da sua experiência, quais as principais vantagens e desvantagens de ter um restaurante fora de um grande centro urbano?
A principal desvantagem tem a ver com o isolamento do local e com a falta de potenciais clientes e mão de obra em redor. Vantagens são muitas. A proximidade ao produtor, ao produto, o “mindset” de quem nos visita, que está disponível para se divertir e não está stressado por ter demorado 30 minutos a encontrar um lugar de estacionamento…
A falta de pessoal para trabalhar na cozinha e na sala é hoje uma queixa frequente dos restaurantes portugueses e de outros países. Como poderá ser ultrapassada essa dificuldade?
Tenho para mim que a situação tem a ver logo com a subvalorização de uma refeição num restaurante. Como é possível pagar 20 euros, sentar-me numa cadeira e ter quatro, cinco, seis ou mais pessoas a trabalhar para mim? O que acontece depois? As margens de lucro são mínimas e por isso os ordenados são baixos, para além de outros factores como horários de trabalho fora do que é dito normal, manhã, tarde, noite, horários repartidos… fins de semana. E depois vem lá de trás, quando se via cozinheiros e empregados de mesa como criados e não darmos o devido valor a essas profissões.
Na sua carreira, quais os momentos que lembra como os mais felizes?
O momento mais feliz da minha carreira foi sem dúvida a abertura do näperõn. Mas lembro-me também do meu primeiro dia de trabalho no Café Café, restaurante que mudou literalmente a minha vida, a abertura da Tasca da Esquina com o Vitor Sobral e o meu querido Luís Espadana. As viagens ao Brasil, Canadá, Macau e tantas outras… Tenho sido muito feliz na minha carreira e estou grato por isso.
Salada de tomate, muxama, figos e queijo de cabra. Um exemplo de utilização dos produtos locais
Cabeça de xara em bolo lêvedo
“Da nossa horta para a mesa!”
Fruta fresca, chantilly e azeite de alecrim
Desde que começou a cozinhar, como acha que tem evoluído a cultura gastronómica dos portugueses?
Num foguete, ahahahaha. Basta pensarmos que quando comecei haviam dois ou três chefs conhecidos. Agora, temos tantos e tão bons profissionais. Jovens que apostam tudo nesta área. E isso, penso, é um reflexo da grande evolução.
Além de Vítor Sobral, quais considera que foram as suas principais influências na cozinha?
As mulheres da minha família. A minha mãe, as minhas avós, as minhas tias. Elas é que me deram de comer e moldaram o meu paladar. Depois, posso falar de Santi Santamaria, cujo trabalho sempre segui, identificando-me imenso com a filosofia dele, e, por fim, todos os profissionais com quem me cruzei e com quem aprendi imenso.
O que gostaria de estar a fazer daqui a 10 anos?
A criar, a estudar e a divertir-me no näperõn. Rodeado da minha família e dos meus amigos.
E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?
Se soubesse que o mundo acabaria amanhã não teria tempo para comer.
Fotografia de abertura: Jorge Simão
Patrocínio:
De Janeiro a Dezembro: descubra como evolui o dia a dia de quem torna possível cada Estrella Damm que bebemos.
Aos 19 anos, o objectivo era ser barman e, por isso, foi para a zona de Alcântara, onde então se situavam alguns dos mais conhecidos bares de Lisboa, à procura de emprego. Mas ao chegar ao Café Café, um restaurante onde então estava um chefe Vítor Sobral em início de carreira, acabaria por experimentar o trabalho que lhe propuseram – empratar sobremesas. A partir daí, Hugo Nascimento esqueceu-se dos “líquidos” e passou a dedicar-se aos “sólidos”, acompanhando Vítor Sobral nos diversos restaurantes em que ele oficiou em Portugal e no Brasil (Cervejeira Lusitana, Bela Vista, Terreiro do Paço, Peixaria da Esquina, Padaria da Esquina, Tasca da Esquina de São Paulo) até chegar a sócio do grupo e chefe de cozinha da primeira Tasca da Esquina, em Campo de Ourique.
No entanto, em Agosto de 2019, decidiu mudar de vida e juntamente com a sua mulher Joana (que também trabalhava no grupo de Vítor Sobral na gestão de clientes) foi para Odeceixe, na Costa Vicentina, para abrir o Naperon, ou melhor, näperõn (o nome oficial é com esta grafia), restaurante do empreendimento turístico Casas do Moinho onde costumavam passar férias com os três filhos. “Foi um pouco por acaso que isto aconteceu. Três ou quatro dias depois de estarmos lá de férias pela primeira vez, perguntei aos donos se eles gostariam que eu cozinhasse para os hóspedes. Correu tão bem que nos anos seguintes fazia sempre um jantar lá. Por isso, quando decidimos sair de Lisboa, eles convidaram-me para vir para Odeceixe e achámos que seria de facto o local ideal”, conta.
Apesar dos tempos complicados que a restauração tem vivido, Hugo Nascimento está satisfeito com a opção tomada, assim como a sua mulher, que continua a trabalhar na gestão de clientes e também na parte comercial do empreendimento turístico. Além do näperõn, que só funciona ao jantar, abriu no início do ano o Assador Altinho, um restaurante mais informal na mesma rua em Odeceixe. Nada mau para este lisboeta de 45 anos de idade, cuja mãe – ribatejana de Martinchel, perto da barragem de Castelo de Bode – que cozinhou em vários cafés até fazer um curso de Administração Pública e passar a trabalhar nessa área, um dia lhe disse: “Andei eu tantos anos a tentar livrar-me da cozinha para agora tu te meteres nisso…”. É este o entrevistado deste mês do Menu de Interrogação, que conta com o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.
Durante muitos anos foi sócio e fiel nº 2 de Vítor Sobral. Parecia ser uma situação que lhe agradava, até pela autonomia que tinha. Porém, de repente, sai para ter o seu próprio projecto. O que aconteceu?
Durante cerca de 25 anos, trabalhei intensamente e fui muito feliz em Lisboa. Passei de ajudante de cozinha a sócio de um dos melhores chefs do país, criei imenso, viajei muito em trabalho também. Porém, chegada esta fase da minha vida com três filhos pequenos (três, cinco e quinze anos de idade) os objectivos mudam. Eu e a Joana já há algum tempo que falávamos em sair de Lisboa e procurar uma vida com mais qualidade e assim foi. Procurámos um sítio onde pudéssemos desenvolver o nosso trabalho, mas ao mesmo tempo conseguíssemos ter tempo para nós, para a família. Portanto resumindo, o que aconteceu foi fruto de um processo natural de amadurecimento. Lisboa foi muito bom, mas tudo o que é bom tem um fim.
A visibilidade que dantes não procurava é agora fundamental tendo um projecto próprio?
Claro. Ainda para mais quando esse projecto não está em Lisboa nem algo parecido. Mas mesmo não tendo procurado essa visibilidade ela surgiu naturalmente fruto do meu trabalho durante estes anos e por isso não me posso queixar…
Desde que se mudou para o Algarve em algum momento disse “onde é que me fui meter”, ou foi mais “porque é que demorei tanto tempo a fazê-lo”?
Nem uma nem outra. Foi a melhor decisão da minha vida na altura certa. O caminho até aqui foi muito importante para saber o que quero e o que não quero. Sair de Lisboa antes não fazia sentido.
Da sua experiência, quais as principais vantagens e desvantagens de ter um restaurante fora de um grande centro urbano?
A principal desvantagem tem a ver com o isolamento do local e com a falta de potenciais clientes e mão de obra em redor. Vantagens são muitas. A proximidade ao produtor, ao produto, o “mindset” de quem nos visita, que está disponível para se divertir e não está stressado por ter demorado 30 minutos a encontrar um lugar de estacionamento…
A falta de pessoal para trabalhar na cozinha e na sala é hoje uma queixa frequente dos restaurantes portugueses e de outros países. Como poderá ser ultrapassada essa dificuldade?
Tenho para mim que a situação tem a ver logo com a subvalorização de uma refeição num restaurante. Como é possível pagar 20 euros, sentar-me numa cadeira e ter quatro, cinco, seis ou mais pessoas a trabalhar para mim? O que acontece depois? As margens de lucro são mínimas e por isso os ordenados são baixos, para além de outros factores como horários de trabalho fora do que é dito normal, manhã, tarde, noite, horários repartidos… fins de semana. E depois vem lá de trás, quando se via cozinheiros e empregados de mesa como criados e não darmos o devido valor a essas profissões.
Na sua carreira, quais os momentos que lembra como os mais felizes?
O momento mais feliz da minha carreira foi sem dúvida a abertura do näperõn. Mas lembro-me também do meu primeiro dia de trabalho no Café Café, restaurante que mudou literalmente a minha vida, a abertura da Tasca da Esquina com o Vitor Sobral e o meu querido Luís Espadana. As viagens ao Brasil, Canadá, Macau e tantas outras… Tenho sido muito feliz na minha carreira e estou grato por isso.
Desde que começou a cozinhar, como acha que tem evoluído a cultura gastronómica dos portugueses?
Num foguete, ahahahaha. Basta pensarmos que quando comecei haviam dois ou três chefs conhecidos. Agora, temos tantos e tão bons profissionais. Jovens que apostam tudo nesta área. E isso, penso, é um reflexo da grande evolução.
Além de Vítor Sobral, quais considera que foram as suas principais influências na cozinha?
As mulheres da minha família. A minha mãe, as minhas avós, as minhas tias. Elas é que me deram de comer e moldaram o meu paladar. Depois, posso falar de Santi Santamaria, cujo trabalho sempre segui, identificando-me imenso com a filosofia dele, e, por fim, todos os profissionais com quem me cruzei e com quem aprendi imenso.
O que gostaria de estar a fazer daqui a 10 anos?
A criar, a estudar e a divertir-me no näperõn. Rodeado da minha família e dos meus amigos.
E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?
Se soubesse que o mundo acabaria amanhã não teria tempo para comer.
Fotografia de abertura: Jorge Simão
Patrocínio:
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