Menu de Interrogação

Zé Paulo Rocha: “Pessoas felizes voltam, recomendam ou guardam boas recordações”

Nasceu em Lisboa há 24 anos, mas tanto a família materna como a paterna tem origem no Minho, em Vila Nova de Cerveira, e, como muita gente dessa região, os pais vieram para a capital para trabalhar nos restaurantes da Baixa. A mãe na cozinha, o pai na sala. Assim como eles, muitos dos seus numerosos tios, 12 maternos, 15 paternos que também foram trabalhar no sector, sobretudo para o D.João I, que até hoje funciona na zona da Praça da Figueira gerido por familiares. Por isso, não poderia ser mais natural a opção de Zé Paulo Rocha – que mesmo assim ainda pensou em trabalhar na área do audiovisual – em entrar para a Escola de Hotelaria de Lisboa.

Por influência de um primo, o conhecido chefe de pastelaria Carlos Fernandes, o mundo da doçaria foi o que primeiro o tentou. “Acho que não fui muito bem recebido nos estágios de pastelaria e decidi enveredar pelos salgados”, recorda. Assim, terminado o curso, veio sal e do grosso, já que passou a integrar precisamente a muito bem sucedida Taberna do Sal Grosso, em Santa Apolónia. Porém, já pensava num projecto próprio e ele surgiu quando alguns familiares lhe disseram que O Velho Eurico, restaurante tradicional da Mouraria, estaria disponível. “Tive duas semanas a pensar, mas avancei”, conta. Estávamos em 2019 e ele mal sabia que, passados seis meses “muito positivos” teria que encerrar devido à pandemia.

“Não tínhamos outra hipótese senão a do takeaway, o que acabou por ser interessante, porque chegámos a muita gente que depois se tornou nossa cliente quando reabrimos”, afirma. De facto, com cerca de 50 lugares, incluindo esplanada, O Velho Eurico é um enorme êxito, tendo inclusive sido o escolhido pelo painel de jurados dos prémios Mesa Marcada para o Prémio Especial César Castro Mesa Diária das últimas duas edições (2020 e 2021), que distingue o melhor restaurante para o dia-a-dia, de preço moderado. Ainda muito novo, mas com vontade de ir mais além, como se poderá ver, Zé Paulo Rocha é o entrevistado deste Menu de Interrogação, que conta com o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.

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O Velho Eurico foi um sucesso quase automático tal como tinha sido a Taberna do Sal Grosso, por onde passou o Zé Paulo e outros cozinheiros da sua geração. O que é que fez/faz a diferença em relação às dezenas de boas tascas que existem em Lisboa? 

Penso que a diferença advinha da ideologia inserida no coletivo. Sempre tivemos uma forte sensação de união que ainda se exprime nos dias de hoje, cada um em sua casa. No Eurico, partilhamos essa mesma harmonia e fervor. Parte por aí.

Para um jovem formado em cozinha numa escola de hotelaria um menu de pratos tradicionais funciona como uma bengala de quem não quer correr riscos, ou, pelo contrário, é algo em que se sente uma responsabilidade maior?   

Pode ter duas interpretações próprias. O que para uns é confortável, para outros pode ser provocante.

Tento que, interiormente, haja um equilíbrio criativo, para que, mesmo dentro do tradicional, não me sinta demasiado aconchegado.

Vê-se um dia a fazer a ter um restaurante mais sofisticado com uma cozinha mais elaborada?

Vejo sim. É um passo que quero dar, mas sem pressa. Num projeto como o Eurico, nem sempre é fácil criar de forma cobiçosa. São muitas doses diárias, há que simplificar. O que não é mau de todo, porque sobra sempre um espacinho para o “mais além”. 

No Velho Eurico a opção é por uma cozinha mais próxima da tradição

Que importância dá à criatividade na sua cozinha?

Muita, sendo que só recentemente me consegui sentir criativo. Andando sempre na correria é difícil arranjar tempo para parar, portanto, o desbloqueio inventivo foi um dos passos importantes para o desenvolvimento, tanto do projeto como pessoal.

Estando em plena zona histórica de Lisboa, O Velho Eurico tem sido beneficiado ou prejudicado pela invasão de turistas? 

Há sempre benefício. Mais afluência turística, equivale a mais seres a quem podes partilhar o que está a ser feito. Pessoas felizes voltam, recomendam ou guardam boas recordações. 

As cozinhas regionais portuguesas podem ser actualizadas sem serem descaracterizadas?

Sim! Um dos grandes desafios é aprimorar receitas que eram confeccionadas por familiares. Dá para melhorar? Perfeito. Não dá? Faremos tal e qual o que é, que por si já se acostuma a ser genial.

Se lhe saísse o jackpot do Euromilhões que restaurante – em Portugal ou noutros países – escolheria para comemorar? (Não vale O Velho Eurico…)

Iria à Tigelinha [Calçada do Santana, 62, em Lisboa], comer os panados da Dona São.

Na manhã seguinte, apanhava um voo para Copenhaga e jantava no Alchemist.

No período de inflação em que vivemos, acha que há pratos do seu restaurante que vão deixar de ser servidos devido ao aumento de preço?

Infelizmente, sim. Aliás, retiramos do menu um dos bestsellers, lula com laranja.

No entanto, não nos prendemos muito a pratos. Se não dá, troca.

Sazonalidade, quilómetro zero, combate ao desperdício, vegetarianismos…No Velho Eurico também acompanham as tendências?

Tentamos sim, mas podemos sempre fazer melhor. Numa cidade superconsumista, torna-se difícil chegar ao sustentável, mas, passinho a passinho, temos alterado alguns hábitos.

Malga de vinho e arroz de cabidela
O leite creme feito pela mãe
Café e aguardente de medronho

E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?

Mesa posta e farta, família sentada num panorama campestre, por debaixo da vinha.

Malga de verde tinto, arroz de cabidela protagonizado pela tia Graça e a fechar com o leite creme da minha mãe, café, medronho e cigarro.

O mundo findava, “e bem”.

Patrocínio:

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