Menu de Interrogação

Rui Sanches. “A falta de mão de obra especializada continua e continuará a ser um dos grandes desafios do setor”

Poucos casos haverá de alguém que chega ao sector da restauração através de uma consulta com uma nutricionista. No entanto, para alguém que hoje lidera um dos principais grupos portugueses de restauração, o Plateform, com 148 unidades, empregando cerca de 2.700 pessoas, foi mesmo assim que começou. Rui Sanches explica como: “Quando deixei o remo, onde cheguei a ser campeão nacional nas camadas juniores, engordei imenso. Fui a uma nutricionista e ela prescreveu-me uma dieta que era impossível de ser seguida em qualquer restaurante na Lisboa de então”. Estávamos em 1998 e este licenciado em Gestão de Empresas, com pós-graduação em Marketing, nascido há 51 anos em Lisboa de pai transmontano (da zona de Montalegre) e mãe de origem minhota (Seixas do Minho, Caminha), mas já nascida no lisboeta Bairro Alto, nenhum dos dois ligados ao sector, viu que havia uma oportunidade de negócio e abriu, na zona do Saldanha, o Vitaminas, cujo conceito de comida rápida e saudável se revelaria um enorme êxito, tendo hoje cerca de meia centena de unidades em todo o país.

A completar 25 anos de existência (“vamos ver se fazemos uma festa ainda este ano, para comemorar”, adianta Rui Sanches), o Plateform detém actualmente uma grande variedade de restaurantes, sendo que um deles foi essencial para o desenvolvimento do grupo, segundo o seu líder. Em 2012, num almoço com o chefe Henrique Sá Pessoa, este revelou que gostaria de mudar o seu restaurante Alma, então em Santos-O-Velho, para um espaço mais adequado. Rui Sanches apostou na ideia e, depois de ano e meio de procura de local, projecto e obra, o Alma reabriria no Chiado com grande sucesso, vindo a conquistar as duas estrelas Michelin que hoje ostenta.

Este contacto com um outro tipo de restauração levaria o grupo Plateform a enveredar por novos caminhos, sem esquecer aqueles que estão na sua origem (além do Vitaminas, já detinha marcas como o Aprazível, os Salteados Mediterrânicos Capri ou a cadeia de hambúrgueres Honorato), com a abertura de restaurantes (todos na zona de Lisboa) como a steakhouse Sala de Corte ou de cozinha tradicional portuguesa como o Pica-Pau, de cozinhas de outros países, com destaque para a italiana (pizzarias Zero Zero, Ribalta e Mangia Mangia, pastelaria Milano, restaurantes Mezzogiorno e Rocco), mas também de inspiração mexicana, como o Coyo Taco, ou asiática, como o Wok to Walk, ou hispano-portuguesa, como o Tapisco (também com Henrique Sá Pessoa, com quem tem outra parceria, no Balcão, no El Corte Inglès), ou francesa, no Brilhante, ou apostando nas carnes no Talho Burger e no Talho do Mercado, na cozinha saudável dos Honest Greens, nos pastéis de nata da Castro… E falta ainda o histórico Tavares, que tem estado fechado, mas cuja reabertura Rui Sanches prevê para breve nesta entrevista.

Vencedor do Prémio Especial NX Hotelaria Empresário de Restauração do Ano 2022, do Mesa Marcada, há cinco anos vice-presidente da AHRESP, é este o entrevistado do Menu de Interrogação, que tem o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.

Cerca de cinco anos depois de ter sido adquirido o Tavares, aquele que é um dos mais antigos restaurantes da Europa continua por relançar. O sucesso (ou os bons indícios nesse sentido) de restaurantes recentes do grupo que procuram recriar um ambiente majestoso, como o Rocco e o Brilhante, sugerem-nos que vamos finalmente ter a reabertura do emblemático restaurante lisboeta em 2023?

O Tavares, pela sua relevância histórica, é um restaurante que merece uma reabertura que faça jus à grandeza do seu nome.

Pela sua localização, condições técnicas e pela adaptação às exigências de uma cozinha e sala modernas, envolverá um grande e complexo projeto de reabilitação. Penso que o seu renascimento acontecerá em 2024. 

O Brilhante, de cozinha clássica francesa, num ambiente a fazer lembrar o requinte dos cafés lisboetas do século XIX, é um dos mais recentes restaurantes do grupo Plateform

O Pica-Pau é um caso de êxito praticamente desde que abriu portas, no ano passado. Porque demoraram tanto tempo a abrir um restaurante assente na cozinha portuguesa? 

O Pica-Pau surgiu do desejo de ter um restaurante que apresentasse cozinha portuguesa genuína, sem invenções, com rigor técnico e com total respeito pelo receituário tradicional.

Oferecemos isso mesmo e os clientes reconhecem-no, cada vez mais, como um restaurante a ir quando se procura cozinha de conforto. Acredito ter sido um restaurante que surgiu no tempo certo e que tem tudo para se cimentar como um local de visita obrigatória em Lisboa.

As críticas gastronómicas em Portugal podem ser determinantes para o êxito ou o fracasso de um restaurante?

As críticas gastronómicas são um dos fatores endógenos deste negócio, que podem influenciar de forma mais ou menos positiva.

Sabemos que um restaurante nunca é totalmente consensual, mas trabalhamos sempre com honestidade e transparência, fazendo uma total aposta na qualidade e convidando todos os que queiram, a conhecer e a darem a sua opinião. 

No final, o crítico mais exigente é sempre o cliente.

A falta de mão de obra continua a ser um dos principais entraves com que se deparam os restaurantes actualmente. Como se contraria a situação, a curto, médio e longo prazo e o que tem feito a Plateform nesse sentido?

A falta de mão de obra especializada continua e continuará a ser um dos grandes desafios do setor, que se agudizou durante e após a pandemia, uma vez que, muitos profissionais sentiram necessidade de experienciar outro tipo de atividades, com outras condições de trabalho e outros horários.

Temos vindo a trabalhar para ser cada vez mais uma empresa atrativa e diferenciadora nas condições, a diferentes níveis, que proporciona aos seus colaboradores.

Neste sentido, uma das áreas que tem merecido muito atenção da nossa parte prende-se com o “work life balance”. Temos vindo a melhorar a organização e a planificação dos horários das nossas equipas, procurando dar sempre dois dias de descanso juntos, planear os horários com quatro semanas de antecedência, para que cada um possa organizar a sua vida com maior antecedência, e acabar com os horários repartidos, entre outras medidas.

A evolução e mobilidade interna é uma das nossas políticas de Recursos Humanos. Só no ano de 2022 tivemos cerca de 450 evoluções internas. 

A formação consiste noutra importante ferramenta de atração e retenção. É para nós uma área critica e na qual apostamos bastante, para se ter uma ideia nos últimos dois anos demos mais de 100 mil horas de formação por ano. 

Aberto no ano passado, o Pica-Pau tem tido enorme êxito com os seus pratos típicos portugueses

Como cliente, quais as coisas que mais o irritam num restaurante? E quais a que mais aprecia?

Posso dizer que o que mais me aborrece é um serviço de mesa descuidado e desatento. Aprecio, sim, um serviço cortês, cuidado e que seja adaptável ao cliente. Ser bem recebido, por alguém que assuma a postura de anfitrião e que tenha a capacidade de “ler” as necessidades e expetativas do cliente.

O que mais aprecio é a experiência no seu todo, um restaurante que me preencha o palato, olfato, visão, audição e tato.

Há algum restaurante, em Portugal ou lá fora, que lhe causa uma inveja boa, tipo: “adorava mesmo ter sido eu a abrir este restaurante”?

Inveja, felizmente, é algo que não sinto. Posso sentir maior admiração por outros empresários e os seus restaurantes como por exemplo o Narru, em San Sebastián, que me cativou pela sua essência, por ter alma, por servir cozinha basca tradicional com muita cultura de produto, respeitando a sazonalidade, ótima apresentação e uma sala e serviço contemporâneos.

Há uns anos, era frequente ver empresários portugueses de restauração lidarem mal com o protagonismo mediático dos chefes. Essa atitude ainda existe ou desapareceu por completo?

Depende muito também da personalidade dos envolvidos e da mensagem que pretendem passar. Acima de tudo devem estar acautelados os valores de profissionalismo e humanismo. Muitas vezes, os chefes são o rosto dos restaurantes e têm obviamente todo o mérito no protagonismo e atenção mediática.

Acredito na complementaridade destas duas funções.

A cozinha italiana é uma das principais apostas do Plateform, caso do Rocco, outra abertura recente

Acha que os chefes de cozinha funcionam melhor se o proprietário do restaurante lhes der um certo enquadramento (conceito do restaurante, limites rigorosos de orçamento, métodos de trabalho, pratos, etc) ou é melhor deixá-los à vontade?

Acredito que os chefes devem ter liberdade e criatividade e devem emprestar o seu know-how à operação, mas mais uma vez é uma relação de paridade e complementaridade.

Devem estar previa e rigorosamente bem definidos todos os detalhes do restaurante, sejam eles gastronómicos, estéticos ou de modelo de negócio, bem como as estratégias a seguir. E em conjunto com toda a equipa, fazer o seu trabalho para os alcançar. 

Utilizando uma frase sua, adaptada dos compêndios do marketing moderno, qual vai ser o próximo restaurante do grupo “que o mercado precisa, mas não sabe que precisa”?

Esse é nosso ADN e todos os dias trabalhamos para criar melhores restaurantes. Uns têm mais sucesso, outros menos.

São as dores de crescimento de um grupo de trabalho que aposta na inovação constante e que arrisca. Teremos novidades em breve! Mas o segredo também é a alma do negócio.

E a pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?

O Bacalhau à Brás da minha mãe, em família.

Patrocínio:

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